Tem 200 filmes de 60 nações no Festival do Rio 2018, mas a iguaria mais saborosa até agora veio do Brasil: Chacrinha – O Velho Guerreiro, de Andrucha Waddington, que, esta noite, pode perder seu posto de iguaria mais saborosa da maratona cinéfila carioca para uma produção de CEP francês. Seu maior concorrente é Faca no coração, de Yann Gonzalez: tem sessão dele neste sábado no Estação NET Botafogo, 23h59. Veio lá da Croisette cercado de controvérsia. Muitos dos 21 concorrentes à Palma de Ouro de 2018 desapontaram crítica e público, a começar do filme de abertura, “Todos Lo Saben”, mas poucas sessões, mesmo a dos longas-metragens mais ousados, tiveram rejeição similar a que “Un Couteau Dans Le Coeur” recebeu, com direito a debandada e vaias. Chamada de “Knife + Heart” em inglês, a produção francesa, sobre a cena pornô gay da Paris dos anos 1970, caiu na antipatia do povo por soar sensacionalista e pedante, ao embarcar em uma elucubração filosófica sobre o desejo. Apesar disso e das vaias, o longa-metragem dirigido por Yann Gonzalez preserva uma potência narrativa ímpar. Entre os sites e jornais europeus orientados por temáticas homoafetivas, o trabalho de Yann – explícito, mas ainda assim emotivo – foi aclamado por desafiar tabus e celebrar uma ala da cultura cinematográfica sempre tratada de modo caricata: a seara pornográfica.

Na trama, Vanessa Paradis (uma cantora famosa, com sazonal experiência como atriz) vive uma produtora de filmes adultos de meninos com meninos. Ela anda em crise pelo alcoolismo e pelo término de seu romance com a montadora de seus longas (Kate Moran). Em meio aos conflitos internos, ela descobre que um assassino mascarado está matando seus atores e seus amigos. O clima dessa história evoca cults de Brian De Palma (“Vestida Para Matar”, sobretudo) e de Dario Argento (“Suspiria”).

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Ainda neste sábado, o Festival do Rio recebe uma pérola dos Hermanos mericanos: Museu, de Alonso Ruizpalacios. Sua sessão é hoje no Estação NET Ipanema 2, às 21h. Este thriller com Gael García Bernal sobre um lendário roubo de obras de arte ameríndias, deixou o festival alemão de queixo caído com seu ritmo frenético e sua estrutura de dramaturgia avessa às cartilhas de filmes de assalto. Além de trazer a melhor interpretação do galã desde seu trabalho como Che Guevara em “Diários de Motocicleta” (2004), o longa-metragem surpreende pelo teor de excentricidade com que pinta o vazio existencial da jovem classe média mexicana dos anos 1980, quando se passa a trama. Há até uma divertida menção a “Chaves”, numa cena em que Gael usa uma camiseta com a cara do mais ilustre inquilino do Sr. Barriga para embrulhar um artefato raro. Saiu da Berlinale laureado com um merecidíssimo prêmio de melhor roteiro.