Rodrigo Fonseca
Às vésperas do anúncio da seleção oficial do 77° Festival de Cannes ser divulgada, num evento agendo para a manhã desta quinta, uma das seções paralelas do evento de maior relevo – a Quinzena de Cineastas – dedica seu troféu honorário anual, a Carroça de Ouro, à diretora inglesa Andrea Arnold. Ela ganhou no Oscar de Melhor Curta Live Cation, em 2005, com “Wasp”, e recebeu o Prêmio do Júri da Croisette nas três vezes em que disputou a Palma de Ouro, sendo laureada por “Docinho da América” (2016), “Aquário” (2009) e “Marcas da Vida” (2006). Aos 63 anos, ela deve integrar ainda a competição oficial deste ano, com o esperado “Bird”. Antes dela, a Carroça dourada de Cannes, criada em 2002 e batizada em homenagem ao título francês de um cult de Jean Renoir (1894-1979) de 1952 (“Le Carrosse d’Or”), foi dada a Clint Eastwood, Nanni Moretti, Ousmane Sembène, David Cronenberg, Jim Jarmusch, Naomi Kawase, Agnès Varda, Jafar Panahi, Jane Campion, Jia Zhangke, Martin Scorsese, John Carpenter, Frederick Wiseman, Kelly Reichardt e Souleymane Cissé.
Ligada ainda à TV, por meio da série “Big Little Lies”, Andrea está na grade da plataforma MUBI com um comovente tratado sobre a relação que temos com os animais: “Cow”. É um relato do cotidiano da vaca Luma. Durante quatro anos, Andrea acompanhou o dia a dia dela, sempre com a câmera na mão, à altura do olhar de sua “protagonista”, encarando suas reações, acompanhando as sensações que ela esboça ao ser conduzida por uma instância de ordenha de leite ou se deleitando em um pasto na primavera. Às vezes, mesmo ocupada com algum projeto de televisão, a diretora se deslocava até Luma para acompanhar a visita do veterinário. É uma narrativa de observação, sem interferências. Lembra o método seguido pelo aclamado “Gunda”, uma das atrações da Berlinale 2020, em que o diretor Viktor Kosakovskiy registrava o cotidiano de um porco. Não são filmes veganos, contra o consumo de carne animal. São filmes que buscam expor vidas que o cinema habitualmente trata como elementos supérfluos em cena.
“A cada dia ela me transmitia uma emoção diferente, um sentimento distinto, uma informação nova”, disse Andrea em entrevista via Zoom com o Lab Pop. “Há uma beleza invisível entre os bichos, num mundo que a gente insiste em não ver. Eu fui atrás dessa beleza, que se expressa por meio da alma de Luma. O cinema que eu faço sempre está aberto a circunstâncias que vão além do roteiro. Tem coisas que você controla, mas há coisas que se desenham no set, à sua revelia. Luma desenhava o filme com seu modo de ser e estar diante de mim”.
Cannes terá Greta Gerwig como presidente do júri e terá Kevin Costner em projeção especial com o faroeste “Horizon: An American Saga”.