Rodrigo Fonseca
Marx não poderia ficar de fora de um evento que mobiliza a nata intelectual da Europa como o Rendez-vous Avec Le Cinéma Français, encontro anual entre diretores, produtores, exibidores, distribuidores e críticos realizado anualmente em Paris, pela Unifrance, o órgão de promoção audiovisual da indústria francófona. Logo, “Em Guerra”, de Stéphane Brizé, teve lugar de honra entre os 75 longas-metragens selecionados. Coroado aos olhos do mercado com 100 mil ingressos vendidos em sua estreia, este thriller político, dum hiperrealismo quase documental na recriação de lutas sindicais, foi um ímã de elogios em Cannes, na briga pela Palma de Ouro. Filmes sobre causas sociais já renderam mais do que prêmios e prestígio ao cinema francês no passado: nos idos de 1968, ficções sobre a classe operária vendiam milhões de ingressos. A obra de Brizé tem essa vocação, vitaminada pela parceria do cineasta com um dos maiores atores do país: Vincent Lindon, espécie de Antonio Fagundes da França.
“Pobreza é sinônimo de invisibilidade aos olhos da mídia, que insiste em não dar atenção a certas tragédias da economia, sobretudo ao desemprego em massa, um câncer da engenharia financeira do liberalismo. Há um estrago moral na desigualdade social. Mas há a poesia da resistência na cultura do sindicalismo”, disse Brizé ao Laboratório Pop em Cannes.
Em 2015, ele e Lindon saíram ovacionados de Cannes com “O valor de um homem”, drama de verve marxista que deu a Lindon o prêmio de melhor ator. “Não sei se carrego Marx comigo, sei que a injustiça no universo trabalhista é uma tragédia”, diz o cineasta, que ali abordava os saldos da crise econômica para quem não tem trabalho.

Agora, com “En Guerre” (título original), ele volta ainda mais furioso. Sua linguagem evoca a estética do documentário dos grupos da Esquerda Militante dos anos 1970, criando passeatas de uma célula operária em conflito com seus patrões. “Não uso estética de CNN. Tenho mil questões com o jornalismo de hoje, pela pressa da apuração, pelo descaso com dramas individuais na massa”, diz Brizé, que, na montagem, buscou dar à narrativa um ritmo nervoso, típico de filmes de ação, que evoca cults do cinema políticos dos anos 1960, como “Z” (1969), de Costa-Gavras.
Na trama, Lindon vive o sindicalista Laurent Amédéo, que luta para mediar a relação entre seus colegas de fábrica com patrões alemães interessados em fechar a empresa. “É um cinema de cólera”, diz Brizé. “É necessário fazer da sala de cinema um espaço de inquietação”.