Rodrigo Fonseca
Em meio à badalação em torno da vitória de “Green Book – O guia” na briga pela estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o Oscar francês, o César, ainda prestigiado como um dos troféus mais importantes da Europa, foi entregue no fim de semana, coroando um estreante em longas-metragens: Xavier Legrand e seu “Custódia”. Ficaram com ele as láureas de melhor filme, montagem, roteiro original e atriz (Léa Drucker). Direção foi pra Jacques Audiard pelo faroeste “Os irmãos Sisters”. Alex Luz foi eleito melhor ator, por “Guy”. O brilho maior da festa, apresentada pelo comediante Kad Merad, foi para Legrand e seu drama devastador, lançado aqui no Festival Varilux, em junho. Na França, o longa vendeu 112 mil ingressos só na estreia.
“Jusqu’à la garde” é seu título original. A primeira exibição deste drama (com tons de thriller de suspense) sobre as sequelas de uma separação se deu em setembro de 2017, na disputa pelo Leão de Ouro de Veneza. Aos 39 anos, Legrand saiu de lá com o prêmio de Melhor Direção e o troféu Luigi De Laurentiis dado ao melhor longa de cineasta iniciante. Sobrou para ele ainda uma láurea de júri popular no Festival de San Sebastián, na Espanha.
Indicado ao Oscar de Melhor Curta-metragem por “Avant que de tout perdre”, Legrand, antes conhecido por seu trabalho como ator, narra em “Custódia” o processo de enfurecimento de um pai de família, o brucutu Antoine (Denis Ménochet), depois que sua mulher, Miriam (Léa Drucker) pede a separação. A dificuldade para poder encontrar e se relacionar com seus filhos gera loucura e violência, retratadas numa narrativa sufocante, que extrai tensão de cada um de seus 93 minutos. Conhecido por longas como “Bastardos inglórios” (2009) e “7 dias em Entebbe” (2018), Ménochet encarna Antoine como se fosse um leão ferido: seu modo de amar é bruto. Nesta entrevista ao Lab Pop por email, Legrand esmiúça como este filmaço foi urdido.
Apesar de passear do drama ao suspense, “Custódia” é uma história de amor, acima de tudo. Mas que amor é esse?
Xavier Legrand: É tóxico. Prefiro definir esse filme como a história sobre um lugar onde um dia houve um grande amor, e este se transformou num exercício de controle coercitivo. Antoine, o pai, é um narcisista, que sofre de paranoia e de ciúme doentio. Ele pensa que Miriam pertence a ele. Esse sentimento de posse fará com que ele faça de tudo para que ela continue com ele.
Como é que a edição foi concebida para valorizar a tensão?
Xavier Legrand: Em geral, as pessoas montam um copião inicial com o material bruto e tiram, dia a dia, o que é considerado excesso. Não fizemos esse corte inicial assim: meu montador, Yorgos Lamprinos, e eu fomos diretamente às cenas de tensão, de ritmo mais ágil, de modo a criar uma estrutura narrativa em que o suspense parecesse orgânico.
Sua fotografia é cem por cento realista. Como foi construída a luz de “Custódia”?
Xavier Legrand: Na busca pela simplicidade. Nathalie Durand, minha diretora de fotografia, foi atrás da essência do roteiro: o cotidiano. Trabalhamos com luz natural e fizemos marcações na condução dos atores usando movimentos de câmera bem simples, simétricos. E nas cenas de mais violência jogamos com a ausência de luz, para desfocar o olhar do espectador, de modo a aumentar sua incerteza acerca do que está se passando.
Existe uma espécie de personagem imaterial no filme, tão importante para a trama quanto Antoine ou Miriam: o silêncio. O filme é pautado pela quietude. O que o silêncio significa como ferramenta estética?
Xavier Legrand: Em “Custódia”, o silêncio é a força que confina os personagens num pesadelo contínuo. O filme começa numa audiência de conciliação onde o casal em conflito discute por cerca de 20 minutos. Dali para diante, não há nada mais a ser dito. Todos os argumentos estão na mesa. Mas o filme se interessa por aquilo que se passa depois do que foi arbitrado pela Justiça: as emoções inerentes à sentença. Só nos resta observar.
No Brasil, “Custódia” foi o filme mais elogiado do Varilux, evento criado para promover o melhor do cinema francês. Como você avalia a situação atual desse cinema?
Xavier Legrand: Nossa força vem da variedade, da multiplicidade, da diversidade. A mistura de gêneros que você encontra no meu filme não é algo inerente ao nosso DNA cinéfilo. Mas o hibridismo é algo que atrai os críticos e satisfaz o público. Foi assim com a nossa história.