RODRIGO FONSECA
Em cartaz desde agosto, firme e forte no gosto do público, “Motel Destino” volta a ter projeções no Rio esta semana, terça e quarta, às 21h, no Estação NET Botafogo. O thriller erótico de Karim Aïnouz segue a somar fãs enquanto um outro filme de seu diretor, “Firebrand”, busca espaço entre os votantes dos prêmios da Oscar Season. Os dois longas concorreram à Palma de Ouro de Cannes.
Há muito segredo nos corredores do prédio que dá nome a “Motel Destino”. Todo dia, toda hora, encontra-se areia nas camas dessa hospedaria para amores fugazes localizada à beira de estrada numa praia do Ceará, distante da agitação da grande cidade. A funcionária Dayana, cartesiana, é quem mantém a organização dos quartos. Ela ri quando fica nervosa. Ri muito. Ri num desatino, tensa, quando o perigo se aproxima, mas sabe se zangar com clientes que inventam desculpas, fazem orgias ou arranjam motivos para não pagar. Pensou que esse era o caso do jovem Heraldo, um bicho solto, quando o rapaz alegou ter sido roubado pela moça com quem passou a noite, antes de adormecer e acordar sem bem algum. O sujeito, contudo, falava a verdade. Não toda. Ele não contou, por exemplo, que é matador, que está jurado de morte e que acabou de ter seu irmão assassinado. Ia matar um francês que mora na região daquele motor hotel, a mando de sua chefe, numa organização criminosa, mas atrasou-se para a missão – o que deu ruim… muito ruim. Apesar disso, Dayana se encanta por ele e tenta disfarçar o desejo que sente, a tentar não dar sinais para seu companheiro (e misto de chefe), Elias (papel que pode dar a Fábio Assunção uma consagração há muito merecida na telona). A vontade que ela tem de se livrar desse homem que só lhe trata bem quando quer fazer sexo é grande. Ela, todavia, sabe quem tem direito a um percentual alto no faturamento do Destino. Afinal, trabalhou para isso. O problema é como tirar Elias do jogo e se apropriar do que acredita ser seu.
Até esse duro questionamento vir à tona, Dayana arrebatou por completo a plateia do novo filme de Karim. Esse arrebatamento se dá graças ao desempenho inquieto e cativante de sua intérprete, Nataly Rocha. Seu modo franco de falar a encaixa num rol de personagens latino-americanos que se expressam sem filtros, sendo direta e cortante. Igualmente arrebatador é o ótimo desempenho de Iago Xavier como Heraldo, um sonhador que anseia pela chance de ter sua oficina mecânica em São Paulo, deixando a rotina cearense para trás. Já Elias só pensa em ampliar seu motel. Vai para Fortaleza comprar brinquedinhos eróticos e pensa em obras para melhorar o atendimento. Ele só não pensa no bem-estar de Dayana. Nem é capaz de imaginar a trama digna de um filme dos Irmãos Coen (como “Gosto de Sangue” ou “Fargo”) que se desenha ao seu redor.
Apoiado na caleidoscópica fotografia da francesa Hélène Louvart, Karim deu a Cannes um filme surpreendente, que se inscreve nos códigos do thriller noir (sobretudo o dos anos 1980), numa toda tropical, ao mesmo tempo em que presta um tributo à pornochanchada – embora sem humor. É um estudo delicado de personagem, que tenta compreender os resquícios de Brasil por trás de cada vértice de seu triângulo. Passa pela violência contra as mulheres, o crime organizado, a corrupção e o machismo, desconstruindo cada um desses males no roteiro escrito com Wislan Esmeraldo e Maurício Zacharias. Visualmente, a direção de arte de Marcos Pedroso faz do motel Destino um quarto – e vivíssimo – personagem, que serve de microcosmos para abismos onde o Brasil está enfiado até o pescoço.
Que “Motel Destino” siga a hospedar nosso olhar.