RODRIGO FONSECA
Ao longo de seus 22 dias em cartaz no circuito nacional, “Ainda Estou Aqui” atropelou a concorrência hollywoodiana e acaba de chegar à marca de 2 milhões de ingressos vendidos, tornando-se a segunda maior bilheteria nacional desde a pandemia, atrás apenas de “Minha Irmã Eu”, visto por 2.282.597 pagantes. Os dados oficiais acerca da receita comercial do drama dirigido por Walter Salles são da Comscore, um oráculo da movimentação de espectadoras/es nas telas. O longa-metragem tem tudo para se tornar o campeão nacional de público do ano uma vez que continua em cartaz em 975 salas em 373 cidades, ainda lotando sessões. Há um atrativo a mais em sua estrada: a campanha pelos prêmios da Oscar Season de 2025. Ganhador da láurea de Melhor Roteiro (dada a Heitor Lorega e Murilo Hauser) no Festival de Veneza, a adaptação feita por Waltinho do romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva é o candidato do Brasil na corrida por uma vaga na disputa pela estatueta de Melhor Filme Internacional da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Em 17 de dezembro serão divulgadas as shortlists (espécie de eliminatória) da Academia para algumas categorias. Trata-se de uma peneira dos 15 longas que passam pelo primeiro crivo da instituição em quesitos, entre eles a peleja dos títulos estrangeiros. É desse contingente que saem os indicados, cinco ao todo, a serem anunciados no dia 17 de janeiro, quando sai a lista oficial de concorrentes que estarão em concurso na cerimônia hollywoodiana, agendada para 2 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles. Há 90 produções inscritas, do planeta inteiro. O mais importante periódico do mundo quando o assunto é a indústria audiovisual, a revista “Variety”, já bateu o martelo em prol de Walter. Segundo a publicação, o drama sobre a batalha da advogada e ativista Eunice Paiva (1932-2018), vivida por Fernanda Torres, contra a ditadura já faz parte do “clube dos cinco”.
Selecionado para cerca de 50 festivais no exterior, “Ainda Estou Aqui“ foi indicado esta semana ao Astra Film Awards, organizado pela Hollywood Creative Alliance (HCA), que divulga seus vencedores no dia 8 de dezembro, no Taglyan Complex, em Los Angeles. Ganhou prêmios de Júri Popular nos festivais de Vancouver, no Canadá; Mill Valley, nos Estados Unidos; na 48ª Mostra de S. Paulo; e no Pessac, na França, onde também foi premiado pelo Júri Jovem com o Prêmio Danielle Le Roy. A atriz Fernanda Torres foi eleita Melhor Atriz em filme internacional pelo Critics Choice Awards. Deixou a terra das gôndolas, onde disputou i Leão e Ouro, com o prêmio humanista SIGNIS e o Green Drop Award. Desde a consagradora projeção em Veneza, o novo filme do realizador de “Central do Brasil” (que ganhou o Urso de Ouro da Berlinale, em 1998, e brigou pela estatueta de Hollywood em 1999) é um ímã de aplausos e lágrimas por onde passa.
“Minha geração chegou ao cinema após 21 anos de ditadura militar, de 1964 a 1985. Muitas histórias não puderam ser contadas durante esses anos de chumbo. Teria sido lógico abordá-las, mas o desastre do governo Collor no início dos anos 1990 nos obrigou a lidar com uma realidade imediata de um país novamente em crise. Daí, no meu caso, ‘Terra Estrangeira’ e depois ‘Central do Brasil’. Quando a extrema direita começou a ganhar força no Brasil, ficou claro o quanto nossa memória dos anos de ditadura militar era frágil”, lembra Salles, em entrevista por e-mail ao LabPop, para justificar seu interesse em revisitar o período em que sua nação esteve sob o domínio de generais, após um golpe de estado.

O diretor Walter Salles orienta Fernanda Torres no set de filmagem de “Ainda Estou Aqui” – foto Alile Dara Onawale / Divulgação

Duas décadas depois de singrar o imaginário cinéfilo na garupa de Che Guevara em “Diários de Motocicleta” (2004), Salles volta a pavimentar uma estrada de glórias com “Ainda Estou Aqui”. Angariou elogios em mostras na China, em Nova York (EUA) e em San Sebastián, na Espanha. Todas as resenhas elogiosas que colheu ressaltam o desempenho de Fernanda Torres nas raias do esplendor. Ela trabalhou com Walter em “Terra Estrangeira” (1995) e “O Primeiro Dia” (1998), ambos codirigidos por Daniela Thomas.
Mãe de Marcelo Rubens Paiva (autor de “Feliz Ano Velho”, “Blecaute” e “Malu de Bicicleta”), Eunice empenhou-se por anos a fio para dissipar as névoas da tortura e das práticas de sumiço de ditos “subversivos” praticada pelo Estado brasileiro em seu jugo ditatorial, simbolizado pela farda verde oliva de seu exército. O motor de sua peleja foi o desaparecimento de seu marido, Rubens, engenheiro e ex-deputado que “sumiu” após ser levado para depor. Selton Mello, em atuação comovente, é quem assume esse papel. Em Veneza, Marcelo destacou emocionado como o ator foi capaz de reproduzir as características de seu pai.
Foi em 1969 que Walter Salles conheceu os Paiva. “Eles vieram morar no Rio, cidade para onde eu voltava após cinco anos no exterior. Assim, passei parte da minha adolescência na casa que eles haviam alugado no Leblon e que está no centro de ‘Ainda Estou Aqui’. Marcelo era um pouco mais novo do que eu”, conta o diretor, que contou com o habilidoso montador Affonso Gonçalves, parceiro habitual de Jim Jarmusch, Ira Sachs e Todd Haynes.
Depois de “Na Estrada” (“On The Road”, 2012), exercício de imersão na prosa beatnik de Jack Kerouac (1922- 1969), Walter ficou 12 anos distante dos longas de ficção. Nesse hiato, lançou o .doc “Jia Zhangke, um Homem de Fenyang” (2014). É pelas vias da literatura de Marcelo que ele regressa às veredas ficcionais, num drama ambientado em 1971, em 1996 e em 2014 – em saltos temporais elegantemente editados por Gonçalves. Produzido por Maria Carlota Bruno (“No Intenso Agora”) e Rodrigo Teixeira (“A Vida Invisível”), “Ainda Estou Aqui” começa com o registro da vida apaixonada do clã Paiva. Eunice e Rubens vivem no Rio com as filhas e o filho numa rotina de dança, festa e casa cheia. Tudo muda para eles no dia em que Rubens é levado por agentes do governo à paisana. Eunice vai fazer de tudo para saber o destino de seu marido. Fernanda Montenegro entra em cena vivendo Eunice em idade avançada, numa sequência que rasga qualquer coração. Um dos pontos mais fortes do filme é a meticulosa fotografia de Adrian Teijido. No elenco coadjuvante, Carla Ribas e Dan Stulbach têm atuações luminosas.