Rodrigo Fonseca
Só se fala em “Capitã Marvel” nas reuniões dos executivos do circuito exibidor de pipocas dos EUA, dada a expectativa de que a super-heroína possa elevar as receitas cinéfilas do primeiro trimestre na balança financeira do entretenimento – o que não impede outros títulos, de teor mais adulto, como “Gloria Bell”, de atraírem parte dos holofotes para si. Este é o nome dado ao remake que o chileno Sebastián Lelio, ganhador do Oscar por “Uma mulher fantástica”, fez de seu primeiro grande sucesso hispânico: “Gloria” (2013). Julianne Moore é a protagonista, refazendo a trilha que a diva do Chile, Paulina García, desenhou para ela. A refilmagem teve uma première de gala no Festival de Toronto, em setembro, e, só agora, vem pra jogo, com ambições de arrebatar futuras indicações para Julianne no futuro. Ela vive uma cinquentona que busca se reinventar afetivamente, às voltas com angústias da maturidade, sem refrear o empoderamento feminino em torno dela e das demais mulheres que conhece.
“Eu já ouvi a morte do cinema ser delcarada muitas vezes. Agora é com a Netflix. Mas eu tenho a tendência a ser mais integrado às novas mídias do que apocalíptico. Há espaço para tudo. Há que se fugir de rótulos”, disse Lelio, no Festival de Belim, do qual foi júri, acerca sua perseverança autoral.
Há um ano ele brilhou no cinema americano ao ser convidado para falar da homoafetividade no seio da ortodoxia judaica na forma de um filme de amor: “Desobediência”, com Rachel Weisz e Rachel McAdams embatucadas por uma paixão. Na sequência, refilmou “Gloria” em inglês, que tem Rita Wilson, Barnara Sukowa e John Turturro no elenco.
“Eu venho de uma geração que começou a filmar num país culturalmente açodado por uma ditadura e que, apesar dela, atravessou os anos 1970 produzindo uma arte de resistência e de ousadia formal. Aprendi a fazer cinema tendo a criatividade dos grandes filmes daqueles anos de luta como um farol, e isso me levou a ficar sempre atento à necessidade de poder construir histórias e personagens que não pudessem ser rotulados com uma única palavra. Creio em filmes que misturam gêneros, que surpreendem”, disse Lelio ao LabPop no México, quando “Uma mulher fantástica” ganhou o troféu Platino, um prêmio que celebra a latinidade nas telas. “Não vejo meu trabalho neste filme que meu deu o Oscar de Hollywood como a angústia de uma trans e sim como uma narrativa sobre a capacidade que alguém tem de se transformar e encarar a intolerância do mundo à mudança. A personagem, vivida pela atriz trans Daniela Vega, já assumiu quem é e está pronta para viver sua identidade. O mundo é que não parece estar pronto pra ela”.