RODRIGO FONSECA
Ok, tá em cima, pois é daqui a pouco… bem pouco… às 11h, no Estação NET Rio… mas a chance derradeira para ver “Megalópolis” em tela grande aqui no Rio de Janeiro tá ao alcance de um clique no Ingresso.Com ou de um ônibus pra Botafogo. É a mais irregular das iguarias cinéfilas de 2024, a mais destrambelhada das grandes invenções da telona, o mais desesperadamente poético gesto de invenção que um mestre da telona realizou este ano. É imperfeito, mas é imperdível. Chegou aqui graças ao empenho da O2 Play, que ainda trouxe Francis Ford Coppola para o país, no fecho da Mostra de São Paulo, onde o octogenário diretor recebeu o Prêmio Honorário Leon Cakoff pelo conjunto de uma obra magistral.
Entre todos os concorrentes do 77° Festival de Cannes, o título que mais chamava atenção e mais mobilizava apostas foi “Megalópolis”. Sua primeira exibição teve sabor de controvérsia. É um exercício autoral de risco absoluto, mas que beira a extravagância, resvalando no excesso e até na caricatura, como um trem desgovernado. Apesar de seu aparente desgoverno, sua dimensão de poesia é inegável, e irresistível, como foi “A Idade d Terra” (1980), de Glauber Rocha. A música de Osvaldo Golijov é um dos raros pontos em que essa produção de US$ 120 milhões (bancadas pelo próprio Coppola, com o dinheiro de suas vinícolas) não gera uma dissonância de opiniões, assim como a atuação de Giancarlo Esposito, no papel do prefeito de uma Nova York apresentada como Nova Roma.
Depois do fenômeno “Oppenheimer”, que faturou US$ 972 milhões e conquistou sete Oscars, a indústria do audiovisual anseia por longas voltados para plateias adultas, com temáticas de tons polêmicos, que possam faturar muito e alcançar prestígio. Em abril, quando as primeiras imagens do experimento de Coppola foram divulgadas, sua superprodução passou a ser encarada como esse potencial sucesso pelo qual Hollywood tanto anseia. Depois de Cannes, contudo, as certezas deixaram de ser unânimes. Há quem defina a película como um tropeço e há quem veja nela um poema com absoluta liberdade narrativa. Ninguém fala em obra-prima, mas todos enxergam ali liberdade plena… e vigor.
Nos EUA, os estúdios da Meca do cinemão não se mobilizaram para dar apoio ao diretor de ‘O Poderoso Chefão” (1972) em seu projeto quase faraônico. Inicialmente, Paul Newman (1925-2008) seria seu protagonista. Depois, falou-se em Kevin Spacey. Acabou que o papel principal ficou com Adam Driver, que é uma escalação bem inadequada, apesar do enorme talento dele.
Numa sequência inquietante, o personagem de Driver, o arquiteto Cesar Catilina, caminha sobre o teto de uma construção nababesca e observa os céus de sua cidade até que, prestes a cair, ele consegue parar o tempo com uma palavra de ordem, estalando o dedo para que tudo volte a funcionar. Ganhador de um Prêmio Nobel, Cesar costuma ser definido como cientista após ter inventado uma substância, o Megalon, capaz de paralisar o fluxo temporal. Seu sonho é construir um mundo utópico. Toda a trama faz referência explícita ao Império Romano, desde os nomes dos personagens até diálogos em latim na narração feita por Laurence Fishburne. Sua forma de narrar abre espaço para reflexão filosófica acerca da ponte entre aquele mundo e uma tradição imperial que sucumbiu pela barbárie. Cesar é uma figura controvertida, com um histórico afetivo traiçoeiro. Ao alcançar fama, ele almeja criar uma NY perfeita, apesar de o alcaide do local, Cícero (Esposito), discordar de seus atos. A peleja deles é narrada com muita experimentação e até com imagens documentais. Num dado momento da projeção de Cannes, uma pessoa subiu no palco e se dirigiu à tela. É um exercício do chamado “cinema ao vivo”. A pessoa simulava ser um entrevistador que se dirigia a Cesar, na tela, numa conversa tridimensional, como se fosse em tempo real.
Há um elenco de peso na telona, que reúne Dustin Hoffman (brilhante), Jon Voight, Aubrey Plaza, Nathalie Emmanuel, Shia LaBeouf e Talia Shire (irmã do cineasta). As filmagens aconteceram em 2022 e 2023, nos estúdios Trilith, em Atlanta, na Geórgia.