Séries

Globo estende a lona do ‘Circo Místico’ nesta madrugada

Lançado em Cannes, em 2018, longa será exibido no 'Corujão'

Por Rodrigo Fonseca

Rodrigo Fonseca
Lá pelas 2h25 da madrugada desta terça (dia 7), a TV Globo entra no clima do cinema brasileiro – no bonde da celebração do Globo de Ouro dado à atriz Fernanda Torres por “Ainda Estou Aqui” – e exibe “O Grande Circo Místico”, de Carlos Diegues, resgatando uma das narrativas mais tocantes do diretor alagoano. Foram necessários 12 anos para que o cineasta regressasse às veredas da ficção após ter sido laureado no Festival de Montreal (no Canadá) com “O Maior Amor Do Mundo” (2006), o momento mais truffautiano de uma filmografia iniciada no formato longa-metragem em 1964, com “Ganga Zumba”. A poética circense que o Plim-plim transmite em seu “Corujão” é um livre diálogo com os poemas de Jorge de Lima (1893-1953) no livro “A Túnica Inconsútil”, de 1938.
Desde “Bye Bye, Brasil” (1979), sua obra-prima, Cacá não vinha tão visceral, lúdico e sem medo de ser erótico, num momento em que voltamos à Idade Média no que envolve a discussão do desejo e da carnalidade. Não por acaso, ele vai falar do abismo entre corpos e almas em seu novo exercício criativo, “Deus Ainda É Brasileiro”, filmado em 2022, prestes a ser finalizado.
Existe em seu “O Grande Circo Místico” um toque de fantasia traduzido em efeitos visuais, em personagens inusitados e na fotografia quase expressionista de Gustavo Hadba (mesmo de “O Auto da Compadecida 2”), cuja luz acentua o assombro. A parceria com o roteirista George Moura (autor de joias televisivas como “Onde Nascem Os Fortes”) amplia a particularíssima estética antropológica de Cacá, sempre interessada na selvageria característica dos processos civilizatórios. A trama que a Globo vai exibir assegura ao artesão autoral por trás de “Chuvas de Verão” (1978) e “Joana Francesa” (1973) a possibilidade de estudar transformações afetivas do Brasil ao longo dos cem anos que seu picadeiro condensa.
Decalcado de Jorge de Lima, o enredo – transformado em balé por Naum Alves de Souza, em 1983; e em peça musical, por João Fonseca, 2014 – mapeia um século na vida de uma trupe de saltimbancos amaldiçoada por paixões tempestuosas, pela pressa da Morte em abreviar vidas felizes e pelo machismo. O francês Vincent Cassel empresta seu charme ao filme na pele de um mágico Don Juan que sintetiza em sua empáfia todas as chagas humanas daquela lona de múltiplos misticismos. Cabem ainda nessa geografia cheia de homens-bala e equilibristas a etnografia da sobrevivência típica dos longas de Cacá. Ele arranca atuações viscerais de seu elenco, sobretudo de Luiza Mariani (no papel de uma bagaceira refém da fossa) e de Mariana Ximenes, na pele de uma rancorosa trapezista tatuada.