Berlinale, Cinema

‘A Cozinha’ esquenta a chapa da MAX

Produção mexicana foi o título mais audacioso da briga pelo Urso de Ouro da Berlinale de 2024

Por Rodrigo Fonseca

Em meio ao “volta x não volta” de “Chaves e “Chapolim” à TV brasileira, via SBT, o audiovisual do México se prepara para marchar pelo nosso país, retinas adentro, com uma pérola em P&B revelada pela Berlinale do ano passado, na luta pelo Urso de Ouro: “A Cozinha” (“La Cocina”). No próximo dia 17, o longa carimba seu passaporte em nossas telas via streaming, na MAX. A direção é de Alonso Ruizpalacios. Em 2018, ele saiu do festival alemão premiado pelo roteiro de “Museu” e, em 2021, conquistou o Prêmio de Contribuição Artística, dada à montagem de seu ‘Um Filme de Policiais”, lançado pela Netflix. Nenhum dos dois chega aos pés de seu novo e exuberante longa-metragem, que é falado parcialmente em Inglês, é ambientado em Nova York, mas se concentra na vida de migrantes hispânicos num ambiente de xenofobia. Neste momento em que a série “O Urso” (“The Bear”), com Jeremy Allen White, faz tanto sucesso (no streaming, na Disney +) ao explorar as tensões de quem vive do verbo cozinhar, “A Cozinha” consegue dar uma abordagem inusitada (e sociopolítica) ao tema, apoiada numa engenharia de filmagem ousada. Numa aeróbica de câmera, que lembra o “Birdman”, de seu conterrâneo Iñárritu, o filme de Ruizpalacios aposta num preto e branco contínuo, temperado de chiaroscuros pela cinematografia de Juan Pablo Ramírez, à exceção de um ou dois efeitos (azulados) que se fazem notar na tradução da crise mental de um de seus personagens centrais, o cozinheiro Pedro. O inspirado Raúl Briones é seu intérprete. Poço de carisma, Pedro é uma das estrelas dos bastidores do sempre lotado The Grill, casa onde se come o melhor Frango Marsala de NY e o “podrão” mais gourmetizado dos EUA. No fogão e na grelha, o anti-herói de Ruizpalacios (destaque de uma narrativa coral, na qual todo personagem tem seu solo) está sofrendo. Ele vive uma convulsão afetiva, ao saber que sua namorada, Julia (papel de Rooney Mara, de “Carol”), atendente desse empório gastronômico, quer fazer um aborto. A decisão dela cai como uma bomba sobre ele.

Sempre tenso, o chef do The Grill (vivido por Lee R. Sellars) lidera uma tropa de funcionários de diversos cantos do mundo (sobretudo de Gauadalajara, Acapulco e Cidade do México), mas carece de empatia para o posto que ocupa. Julia, entretanto, sai-se muito bem com ele e com as colegas, fazendo um truque inusitado com os cigarros que não lhe saem da boca. O problema é que a panela de pressão emocional de Pedro não dá conta das turras em que vive com ela, com o patrão e com os vetores de exclusão que o cercam. Uma acusação de roubo só piora sua vida, mas faz “A Cozinha” entrar numa espiral sociológica naturalista que ferve, a temperaturas altas, todas as angústias latinas da atualidade. Teve gente que se incomodou com a crueza com que o filme expõe corpos e com a selvageria de sua edição. Mas reside nela sua potência plástica.
Outro achado latino da Berlinale 2024, “Pepe” (2024), que rendeu o Urso de Prata de Melhor Direção a Nelson Carlo De Los Santos Aria, chegou entre nós esta semana, via MUBI. Com CEP na República Dominicana, a produção junta documentário e ficção, num espírito anticolonial nas raias do fantástico. Seu enredo é inspirado na figura de um hipopótamo adotado por Pablo Escobar, Pepe, que foi trazido da África para a Colômbia e, mais tarde, tornou-se um símbolo de desrespeito ecológico devido à controvérsia em torno de sua morte.
No próximo dia 21 serão conhecidos os concorrentes ao Urso de Ouro de 2025 do Festival de Berlim, que agendou sua 75ª edição de 13 a 23 de fevereiro.