Rodrigo Fonseca
As grandes descobertas de Cannes em 2019:
“Canción sin nombre”, de Melina León (Peru): Baseado em fatos reais, esta trama em P&B aborda a luta de uma jovem peruana dos anos 1980 para reaver sua bebê recém-nascida com a ajuda de um jornalista. Seu principal apelo: a fotografia de Inti Briones, que diluiu todas as referências banais da representação de seu país nas telas. Seção: Quinzena dos Realizadores
“Zombie Child”, de Bertrand Bonello (França): Espécie de “Carrie, a estranha” misturado com .docs do Arte sobre macumba, o novo filme do realizador de “Nocturama” (2017) trança dois tempos (os anos 1960 e a atualidade) e dois espaços (o Haiti e a classe média francesa) a partir de um grupo de alunas adolescentes que montam uma sororidade de estudos literárias e têm contato com os mistérios ocultos de um ritual de zumbificação usado em trabalhos servis na América Central. Uma das estudantes pede a uma imigrante haitiana que exorcize seus males de amor por um namoradinho, o que deflagra um processo de assombro. A filmagem dos rituais de sincretismo afro ultrapassam os males da alteridade. Seção: Quinzena dos Realizadores
“The orphanage”, de Shahrbanoo Sadat (Afeganistão), nas fotos: A diretora do ótimo “Wolf and sheep” (2016) volta às telas narrando a luta de um órfão, fã de musicais de Bollywood, na Cabul dos anos 1980. A ida dele para um abrigo soviético é cercada de dor. Onde: Quinzena dos Realizadores “J’ai perdu mon corps”, de Jérémy Clapin (França): A protagonista desta animação é uma… mão. Uma mãozinha que corre pelas ruas de Paris à cata do rapaz cujo corpo ela integrava. Seção: Semana da Crítica
“Atlantique”, de Mati Diop (na foto): Única diretora negra já indicada à Palma dourada nos 72 anos de história de Cannes, esta realizadora francesa de origem senegalesa faz uma radiografia de múltiplas camadas da realidade de Dakar a partir de uma história de amor ausente: com a promessa de ter se casar com alguém com quem não ama, uma adolescente espera rever o namorado, um operário que cruzou o Atlântico atrás de uma vida melhor. Seção: Competição Oficial
“J’ai perdu mon corps”, de Jérémy Clapin (França): A protagonista deste divertido desenho animado, ganhador do Prix Nespresso de Cannes em 2019 é uma mãozinha, tipo aquela da Família Addams, mas sem humor. Ela quer achar o corpo de seu “dono”, hoje envolvido num caso de amor delicado. Seção: Semana da Crítica
“First love”, de Takashi Miike (Japão): O Tarantino da Ásia deu ao festival uma epopeia marota sobre paixão, balas e códigos mafiosos. Um pugilista condenado à morte por uma doença terminal se apaixona por uma jovem com delírios persecutórios. As sequências de ação são de um virtuosismo exuberante. Seção: Quinzena dos Realizadores
“The Lighthouse”, de Robert Eggers (EUA): Não seria um erro classificar esta experiência como “o melhor filme de Cannes” em 2019. Willem Dafoe e um possuído Robert Pattinson, o novo Batman, são dois faroleiros que encaram a loucura na clausura de um mundo à beira do mar onde a maior assombração é a loucura. E, às vezes, essa loucura ganha escamas de sereia. Seção: Quinzena dos Realizadores
Não há dúvidas de que o segundo melhor filme por aqui é o poema “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, que revive a tradição do melodrama a partir de uma mirada pautada pelo sensorial, com Fernanda Montenegro e Gregório Duvivier em magistrais entradas em cena, ao lado de Carol Duarte e Júlia Stockler.
Se o palmarês de Cannes fosse meu, daria…
Palma de Ouro: “Dor e glória”, de Pedro Almodóvar
Grande Prêmio do Júri: “Era uma vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino
Direção: ex aequo Mati Diop (“Atlantique”, na foto) e Céline Sciamma (“Portrait de une jeune fille em feu”)
Roteiro: ex aequo “Bacurau” e “Parasite”
Atriz: Virginie Efira (“Sibyl”)
Ator: Pierfrancesco Favina (“O traidor”)
Prêmio especial do Júri: “Les Misérables”, de Ladj Ly
Prix du 72º Festival: “A hidden life”, de Terrence Malick