por Myrna Silveira Brandão, de Berlim

O sorriso de Walter Salles não era apenas para sair bem nas fotos. O diretor brasileiro estava visivelmente feliz nesta terça (10), com o lançamento de “Zhangke, um homem de Fenyang”, mostrado numa lotada sessão para o público. Desde a véspera, os ingressos já estavam esgotados.

 

O documentário é resultado de filmagens realizadas no norte da China, onde Jia Zhangke nasceu e realizou seus primeiros longas-metragens e em Beijing. O filme retrata a vida e o processo criativo do cineasta e é centrado na estreita relação entre memória e cinema.

 

O próprio Zhangke convida a equipe de “Um homem de Fenyang” a conhecer a sua história, suas fontes de inspiração e os personagens de seus filmes. Ele retorna aos locais onde viveu e rodou “Xiao Wu”, “Plataforma”, “O mundo”, “24 City”, “Em busca da vida” e “Um toque de pecado”.

 

Salles foi à China e visitou todos os locais onde foram filmados esses clássicos do cineasta chinês.

 

“Zhangke, um homem de Fenyang”, já tem convites para vários festivais, entre outros, Istanbul e Guadalajara e previsão de estreia no Brasil no final de abril.

 

O Laboratório Pop participou da entrevista que Salles concedeu a um grupo de cinco jornalistas brasileiros.

 

Embora os inúmeros compromissos que tem aqui –   além do lançamento do seu filme, participa do Programa Berlinale Talents e do tributo a Wim Wenders, que recebe o Urso Honorário nesta edição – Salles, descontraído e sem pressa, falou da origem do filme, do processo de filmagem e da imensa admiração que tem por Jia Zhangke.   Leia os principais trechos:

 

Quando começou seu interesse pela obra de Zhanke?

 

Foi justamente na Berlinale há 17 anos, que eu tive contato com os filmes de Jia.

O primeiro filme dele, “Xiao Wu” estreou em Berlim em 1998, no mesmo ano em que “Central do Brasil” competiu no Festival. Cada novo filme dele reforça a afirmação de que ele se tornou o cineasta que melhor traduz o nosso tempo. É dessa percepção que surge “Um homem de Fenyang”.

 

E como surgiu a ideia de realizar o documentário?

 

Aconteceu durante a Mostra de São Paulo em 2007, quer dizer, o projeto inicial data daí, mas nós só filmamos no período de 2013 a 2014. Quando a gente conversou , eu disse que gostaria de trabalhar a memória do cinema dele em camadas diversas. Mas na medida em que a gente foi filmando, Jia foi acrescentando outras coisas como a relação com o pai, ou seja, a memória também afetiva.

 

O que mais o impacta na obra de Zhanke?

 

O que mais me sensibiliza é a maneira como as lembranças pessoais dele se transformam em memória coletiva. “Em busca da vida”, por exemplo, é um marco do cinema. Ele propõe um reflexo do tempo no qual ele está vivendo. Jia registra alguma coisa que está em mutação naquele momento. O tempo se torna um personagem do filme.

 

Houve dificuldades em Fenyang para fazer o filme?

 

Quando a gente faz um documentário, somos constantemente confrontados com o inesperado, mas Jia abraçou o filme de tal forma que tornou tudo mais fácil, não houve maiores dificuldades.

 

O filme tem o olhar de um brasileiro sobre um estrangeiro. Houve algum problema com isso?

 

A extrema sensibilidade de Jia foi fundamental para a sintonia que foi criada e, como ele costuma dizer: “nós não somos estrangeiros, nós participamos do mesmo mundo que é o mundo do cinema.

 

Qual o sentimento de ter realizado o filme, alguma coisa mudou?

 

Foi uma experiência marcante não apenas para mim, mas para toda a equipe. Acho que o filme caracteriza tanto o diretor quanto a obra que ele construiu. Estar de volta a Berlim com um documentário sobre Jia é uma honra.