Cannes, Cinema

Analgésico à francesa

Por Laboratório Pop

RODRIGO FONSECA
Num ano de grandes vitórias audiovisuais para a França, com a conquista do Oscar por Justine Triet (e seu “Anatomia de uma Queda”) e a consagração de “Emilia Pérez” com dez indicações ao Globo de Ouro, o cinema da pátria de Emmanuel Macron bate ponto em circuito nacional, na retinha final de 2024, com um filme analgésico: “Crônica de uma Relação Passageira”. Foi um parto a estreia dessa comédia romântica de 2022 por aqui, apesar do prestígio que ganhou em seu tráfego pela Mostra de S. Paulo e pelo Varilux. Agendaram e reagendaram seu lançamento múltiplas vezes, mas, enfim, o diretor Emmanuel Mouret acabou por encontrar tela no Rio de Janeiro. Tem sessão dele hoje no Estação NET Rio (às 14h15) e no Cinesystem Botafogo (às 16h05). Na quarta, os horários mudam, mas ele segue, e ganha projeção às 18h50 no Estação NET Gávea. Sua estética segue a dica de um francês, o dramaturgo Jean Anouilh (1910-1987), autor de “O Viajante Sem Bagagem”, que afirmava: “Existe o amor, é claro, e existe a vida, sua inimiga”. Essa percepção foi combatida pelo cinema de muitas formas, sobretudo pelo filão apelidado de RomCom, que teve “Uma Linda Mulher” (1990) e “Sintonia de Amor” (1993) como ápices – em Hollywood, pelo menos. Bem antes disso, o Brasil cravou “Todas as Mulheres do Mundo” (1966), de Domingos Oliveira, e a França teve François Truffaut (1932-1984), com seus “Beijos Proibidos” (1968). É de lá mesmo, de terras francesas, que vem “Chronique d’une Liaison Passagère”, o estudo de Mouret sobre o desatino no gostar (de alguém). Estudo que virou cult. Nasceu na mostra Cannes Première de 2022 e vendeu cerca de 320 mil ingressos em solo francês, um ano e meio após a consagração de Mouret com “Les Choses Qu’On Dit, Les Choses Qu’On Fait”, considerado sua obra-prima. Este ano, ele voltou ao circuito com “Três Amigas”, lançado no Festival de Veneza. A desenvoltura dele na direção é notável. O que o realizador arranca de Sandrine Kiberlain e Vincent Macaigne evoca Meg Ryan e Tom Hanks em longas como “Mensagem Pra Você” (1998). Macaigne virou seu ator assinatura. Barbudinho, taquicárdico, sem prumo em suas incertezas e falador, ele encarna o obstetra Simón, a quem transforma num ímã de gargalhadas. A gente ri de nervoso com as inseguranças dele ao conjugar o verbo “eu quero”. Na trama, ele, casado e pai, passa a arrastar um caminhão por uma mulher empoderada, mãe solteira e cheia de certezas chamada Charlotte, interpretada pela campeã de bilheteria Kiberlain. Durante a sessão do longa em Cannes, o Palais des Festivals vinha abaixo de rir com os dois. Sua dramaturgia se estrutura sobre um acordo que os dois travam para transarem sem culpa: vai ser passageiro. Deveria, mas não é. A delicadeza com que Mouret, à direção, explora o modo nada barthesiano com que o discurso amoroso se fragmenta é envolvente.