Myrna Silveira Brandão, especial para o LABORATÓRIO POP, de Berlim
“No intenso agora”, de João Moreira Salles, foi o destaque da Panorama Dokumente, da 67ª edição do Festival de Berlim. Seu novo trabalho era aguardado com expectativa. Além da fama dos Salles por aqui – principalmente depois dos prêmios para “Central do Brasil”, de Walter Salles em 1998 – “No intenso agora”, encerra um jejum de 10 anos do cineasta sem lançar filmes, após a consagração de “Santiago”.
Além dos entusiastas aplausos após a sessão, o comunicado da Berlinale já definia bem o filme e a obra do cineasta: “Em tempos da ‘pós-verdade’, os narradores no mundo do cinema devem redefinir seu papel como transmissores de verdades – como críticos e ativistas – e conservar ao mesmo tempo sua postura e seu humor”.
“No intenso agora” é narrado em primeira pessoa e reflete sobre o que revelam quatro conjuntos de imagens da década de 1960: os registros da revolta estudantil francesa em maio de 68; os vídeos feitos por amadores durante a invasão da Tchecoslováquia em agosto do mesmo ano, quando as forças lideradas pela União Soviética puseram fim à Primavera de Praga; as filmagens do enterro de estudantes, operários e policiais mortos durante os eventos de 68 nas cidades de Paris, Lyon, Praga e Rio de Janeiro; e as cenas que uma turista – a mãe do diretor – filmou na China em 1966, ano em que se implantou no país a Grande Revolução Cultural Proletária.
O roteiro e o texto foram escritos pelo diretor e a montagem foi realizada por Eduardo Escorel e Laís Lifschitz. Salles – acompanhado de Escorel e Lifschitz – reuniu neste domingo (12) numa sala do Lounge do Palácio dos Festivais da Berlinale, um pequeno grupo para uma Mesa Redonda sobre o filme, e convidou o LABORATÓRIO POP.
O diretor começou lembrando que dez anos separam “No intenso Agora”, de “Santiago” e, apesar do tempo decorrido, ele tem a impressão de que são filmes parentes.
“Não me refiro apenas ao aspecto pessoal dos documentários, mas também ao modo como eles foram realizados. Os dois são essencialmente filmes de arquivo, nascidos na ilha da edição”, disse o cineasta, acrescentando que Santiago surgiu do trabalho de três pessoas de três gerações diferentes (ele, Escorel e Lívia Serpa), que construíram o filme a partir da reflexão que fizeram sobre a natureza do material bruto que haviam reunido.
“No intenso Agora” nasceu da mesma forma, mas com Laís Lifschitz, no lugar de Lívia. A diferença é que levou mais tempo, não meses, mas anos. Eu enviei o primeiro material para o Escorel para que ele dissesse se havia um filme ali”, contou o diretor complementado por Escorel.
“Quando o João me mandou o que já tinha feito, eu disse sim. Eu já conhecia o material da China, que eu acho que é o mais importante. O filme nasce ali”, definiu Escorel.
Com as lembranças geradas pelas filmagens realizadas por sua mãe – além de suas próprias memórias, já que era criança e estava em Paris em maio de 1968 – Salles destacou que as imagens, todas elas de arquivo, revelam não só o estado de espírito das pessoas filmadas, como também a relação entre registro e circunstância política.
“Eu queria entender, entre outras coisas, como os participantes de movimentos sociais e políticos lidam com a frustração quando os sonhos revolucionários acabam não se concretizando. O que se pode dizer de Paris, Praga, Rio de Janeiro e Pequim a partir das imagens daquele período? Por que cada uma dessas cidades produziu um tipo específico de registro?”, questiona o cineasta, que está aqui em Berlim, numa função dupla.
Junto com o documentarista alemão Andres Veiel – que concorre ao Urso de Ouro com “Beuys” – Salles participa de um encontro para analisar a influência de revoluções e figuras revolucionárias passadas no mundo atual. Nesse evento deverão ser abordados os filmes com os quais ambos os cineastas estão no festival.