Myrna Silveira Brandão

Na cidade de Galiza, no final do Século XIX, duas jovens – Elisa Sanchez Loriga e Marcela Gracia Ibeas – se apaixonaram e iniciaram uma relação lésbica que culminou no primeiro casamento registrado entre duas mulheres na Espanha. Esse caso real é o tema de “Elisa y Marcela”, novo filme de Isabel Coixet, destaque da mostra oficial e concorrente ao Urso de Ouro nesta 69ª edição do Festival de Berlim.

Marcela conheceu Elisa em A Coruña, em 1885, em seu primeiro dia de escola, nascendo uma profunda amizade entre as duas. Com o tempo, os pais de Marcela desconfiam da verdadeira natureza de sua amizade e a mandam embora para um colégio interno. Os anos se passaram, mas os sentimentos de uma pela outra só ficaram mais fortes.

Quando Marcela retorna à Galícia, ela tenta ter uma vida feliz com Elisa. Mas as duas enfrentam severa oposição e encontram uma inusitada solução para o caso: uma delas se disfarça de homem.

As protagonistas são as jovens atrizes espanholas Natalia de Molina (duas vezes ganhadora do prêmio Goya de melhor atriz por “Living is Easy with Eyes Closed”, de David Trueba, e “Food and Shelter”, de Juan Miguel del Castillo) e Greta Fernández, estrela de “A próxima pele”, de Isa Campo e Isaki Lacuesta.

O roteiro foi escrito por Coixet baseado em pesquisa pessoal que ela fez e também na desenvolvida por Narciso San Gabriel, um estudioso da Universidade de Corunha que dedicou 15 anos de sua vida para investigar os fatos reais da história e Elisa e Marcela – que inclui até rumores de que uma delas havia envenenado um homem.

As imagens expressam uma grande ternura e mostram uma recriação rigorosa e rica da vida e das maneiras da Galícia da época.

O afinado elenco é mérito também da diretora. Coixet é conhecida por seu ótimo trabalho com atores, permitindo-lhes grande espaço para improvisação e criatividade.

A trilha sonora da compositora galega Sofia Oriana Infante e a fotografia de Jennifer Cox são completamente adequadas à trama.
Filmado em preto e branco, é um filme que traz um tema poderoso realizado por um time predominantemente feminino.

“Eu não procuro histórias de mulheres fortes. Elas me encontraram”, disse a cineasta, na coletiva com a imprensa, fazendo uma ressalva.

“O filme não é um manifesto, embora de imediato lembre todos aqueles que são perseguidos por sua homossexualidade”, afirmou.

Coixet explicou que descobriu a história de Elisa e Marcela há dez anos, quando surgiu a ideia do filme.

“Mas houve muitas dificuldades para começar a executar o projeto devido ao temor de alguns produtores, à resistência para que o filme fosse feito em preto e branco, até o entendimento que tivemos com a Netflix que me permitiu ir em frente”, contou, acrescentando que também foi cuidadoso o trabalho para colocar as fontes de luz corretas durante a filmagem.

“A equipe estudou vários filmes dos anos 20 e 30, em especial “Minha rainha”, de Erich von Stroheim (1932)”.

Natalia de Molina falou sobre o preparo que foi necessário para viver Elisa.

“Foi muito importante criar uma química suficiente entre nós para transferir para as telas”, disse a atriz, acrescentando que há muitas Marcelas e Elisas em todo o mundo.

“O importante é que todos possam se casar com quem quiser”, complementou Coixet, que já é veterana em Berlim.

Ela estreou no festival em 1996 com “Confissões de um apaixonado”, fora de competição. “Elisa y Marcela” marca a 4ª vez que ela disputa o Urso de Ouro, já tendo concorrido em 2003 com “Minha Vida sem mim”; em 2008 com “Fatal”; e em 2015 com “Ninguém deseja a noite”, este último estrelado por Juliette Binoche, que, nesta 69ª edição, é Presidente do Júri da mostra oficial.