Myrna Silveira Brandão, de Berlim
Um dos destaques da mostra Fórum da Berlinale 2020 é “El tango del viudo y su espejo deformante””, dos diretores chilenos Raul Ruiz e Valéria Sarmiento. O festival deu ao filme o status de abrir a Mostra, que está comemorando 50 anos nesta edição.
Ruiz filmou o primeiro material em 1967 no Chile, mas não conseguiu concluí-lo antes de seu exílio em 1973. A diretora Valeria Sarmiento, sua viúva (o cineasta morreu em 2011), transformou-o em uma obra acabada, através de várias técnicas elaboradas.
A história segue um homem cuja esposa cometeu suicídio e aparece para ele como um fantasma, seguindo-o em todos os lugares e mudando sua personalidade.
Mas ninguém melhor do que a própria diretora para falar do que ela chama de “Aventura”.
Em entrevista ao LABORATÓRIO POP, Valéria explicou que a origem do filme remete ao tempo em que conheceu Raúl.
“Ele havia acabado de terminar “Três tristes tigres” (1968), seu primeiro longa-metragem. E me falou sobre um filme anterior que não pode terminar e que permaneceu inacabado devido à falta de recursos. Eu somente o assisti após sua morte, já que as cópias eram consideradas perdidas e só foram encontradas posteriormente no telhado do Cinema Normandie, em Santiago. Eram sete rolos, faltava o primeiro do conjunto, mas só havia a imagem sem o som”, contou a diretora, acrescentando que sua primeira impressão dessas imagens foi ver apenas fantasmas: grande parte dos atores havia morrido.
“Era o mesmo sentimento que dali em diante iria nos guiar. A falta irremediável do som me sugeria que não seria uma questão de tornar todo esse material um filme daquela época. A música, por exemplo, deveria ser contemporânea e, assim, deixar em evidência a incompatibilidade com o tempo de sua primeira filmagem”, detalhou Valéria, acrescentando que a primeira preocupação foi a recuperação dos diálogos e o esboço de um roteiro.
“Tentou-se imediatamente descobrir uma forma de recuperar o que os atores disseram em seus diálogos, um trabalho que só pode ser realizado com a colaboração de especialistas em leitura labial. Com esse material, construímos um esboço de roteiro”, mas, como disse, havia a dificuldade de imaginar o que Raúl teria feito.
“Lembrei então que ele sempre quis realizar um filme que, por um lado, apresentasse imagens no sentido normal, e que, por outro, elas pudessem ser vistas na direção oposta. Era o momento então de colocar em prática o “espelho distorcido” que Raúl quis criar”, ressaltou, manifestando sua satisfação com o resultado e sua gratidão com todos que a ajudaram.
“Tenho a sensação de ter respeitado a vontade de Raúl e quero agradecer a toda a equipe de produtores, técnicos e muitos outros colaboradores que me acompanharam nesta aventura”, concluiu Valéria resumindo numa frase (mantida em espanhol) o significado da seleção do filme para a Berlinale.
“Hay que decir que este año Forum cumple 50 años y El Tango… también”