Holofotes estão acesos na Alemanha para Sean Penn e seu “Superpower”, documentário sobre a Guerra da Ucrânia que pede passagem, neste fim de semana a uma dezena de expressões audiovisuais de cunho autoral que integram a 73. Edição da Berlinale, na capital alemã. Penn é só uma das personalidades que vão desfilar por lá, no evento famoso por ter uma forte toada política. Protagonizada por Peter Dinklage, Anne Hathaway e Marisa Tomei, “She Came To Me”, o novo longa-metragem da cineasta americana Rebecca Miller, vai inaugurar o evento nesta quinta-feira, deflagrando uma das mais ousadas corridas pelo Urso de Ouro dos últimos anos, dada a diversidade de estilos em foco. O júri deste ano é presidido pela atriz Kristen Stewart (de “Personal Shopper”, “Spencer”). Ela terá um belo trabalho à vista. Vai ter de julgar 19 concorrentes ao lado das diretoras Valeska Grisebach (alemã) e Carla Simón (catalã); da produtora de elenco, atriz e produtora americana Francine Maisler; da superestrela iraniana Golshifteh Farahani; e os diretores Radu Jude (Romênia) e Johnnie To (Hong Kong).

Anne Hathaway e Peter Dinklage em “She Came To Me”

Numa quebra de paradigma histórica, o Festival de Berlim trará dois desenhos animados em concurso, em meio a 19 títulos em concorrência. Um deles é “Suzume”, de Makoto Shinkai, e fala dos dilemas de uma adolescente envolvida no aparecimento de portas mágicas que, abertas, geram cataclismas. O realizador tem um currículo de blockbusters, entre os quais o fenômeno popular “Your Name” (2016) e “O Tempo Com Você” (2019). Concorre com ele uma animação da China, “Art College 1994”, de Liu Jian, centrado nas transformações trazidas com o fim da União Soviética e a queda do Muro na rotina de jovens criados à luz do maoísmo. Medalhões não faltam ao festival germânico na caça a láureas. A octogenária diretora alemã Margarethe von Trotta, por exemplo, vai concorrer com “Ingeborg Bachmann – Reise in die Wüste”, um drama romântico com bastidores na literatura. Já o septuagenário francês Philippe Garrel vai à disputa com “Le Grand Chariot”, que tem suas filhas (Léna e Esther) e seu filho (Louis) no elenco. Já o cultuado diretor alemão Christian Petzold (“Undine”) vai testar sua sorte ao concorrer com “Afire”. Há uma forte expectativa de troféus em torno de uma produção australiana, estrelada por Simon Baker (da série “O Mentalista”): o policial “Limbo”, de Ivan Sen, todo rodado em P&B.

Os concorrentes:

“20.000 Especies de Abejas”, de Estibaliz Urresola Solaguren
“Art College 1994”, de Liu Jian
“The Shadowless Tower”, de Zhang Lu
“Till The End Of The Night”, de Christoph Hochhäusler
“BlackBerry”, de Matt Johnson
“Disco Boy”, de Giacomo Abbruezzese
“Le Grand Chariot”, de Philippe Garrel
“Ingeborg Bachmann – Reise in die Wüste”, de Margarethe von Trotta
“Someday We’ll Tell Each Other Everything”, de Emily Atef
“Limbo”, de Ivan Sen
“Mal Viver”, de João Canijo
“Manodrome”, de John Trengove
“Music”, de Angela Schanelec
“Past Lives”, de Celine Song
“Afire”, de Christian Petzold
“Sur L’Adamant”, de Nicolas Philibert
“The Survival of Kindness”, de Rolg De Heer
“Suzume”, de Makoto Shinkai
“Tótem”, de Lila Avilés

No dia 21, o Rei Midas de Hollywood, o diretor Steven Spielberg, será laureado com o Urso de Ouro Honorário e exibir seu oscarizável “Os Fabelmans”, que será projetado hors-concours. A obra dele será revisitada, desde seu primeiro longa, “Encurralado” (1971), passando pelos 30 anos de “A Lista de Schindler”.

Spielberg com Liam Neeson nos sets de A Lista de Schindler

Na seara Fora de Concurso da Berlinale, o título mais esperado é “Kill Boksoon”, de Byun Sung-hyun, da Coreia do Sul. Sua trama acompanha a dupla jornada de Gil, vivida por Jeon Do-yeon, atriz laureada em Cannes, em 2007, por “Sol Secreto”. Ao mesmo tempo em que gasta energia cuidando de sua filha “aborrescente”, ela se desdobra em contratos nada simples de empreitada em sua profissão não oficial: matadora de aluguel. A decisão de não cumprir uma dessa missões faz dela um alvo.

Nenhum festival classe AA do mundo gosta mais do Brasil do que a Berlinale. Estaremos lá este ano nas mais variadas latitudes, começando pela competição oficial de curtas-metragens, na qual concorremos com “As Miçangas”, de Rafaela Camelo e Emanuel Lavou, que tem Karien Teles em seu elenco. Fala de duas mulheres que se ajudam quando uma encara um aborto. Na seção Generation 14Plus, sobre retratos da juventude, batemos ponto com “Infantaria”, de Laís Santos Araújo, que se passa durante uma festinha de aniversário. Nosso cinema sempre brilha nessa seção juvenil, de onde saímos laureados em 2020 com “Meu Nome É Bagdá”, de Caru Alves de Souza, que está hoje no streaming Star +.
Na seção Panorama, uma das meninas dos olhos de Berlim, o Brasil tem o nevrálgico thriller pernambucano “Propriedade”. Esse suspense eletrizante de Daniel Bandeira conquistou a láurea de Melhor Montagem no Festival do Rio e a de Melhor Direção no Fest Aruanda, na Paraíba. Malu Galli tem uma atuação magistral no papel de uma estilista traumatizada após ter virado refém num assalto que, ao visitar a fazenda de seu marido, no interior, esbarra com um motim violento dos funcionários, que clamam por seus direitos – e por vingança. Presa em seu carro, a protagonista passa horas de tensão. É eletrizante.

Cartaz do thriller pernambucano que representa o Brasil no Panorama de Berlim

No Fórum, seção voltada a narrativas mais radicais em sua proposta de desafiar convenções narrativas, há uma promessa de aplausos para Flora Dias e Juruna Mallon em “O Estranho”. O roteiro se passa em um território de passado indígena: o Aeroporto de Guarulhos. Milhares de passageiros o atravessam diariamente e 35.000 trabalhadores apoiam sua operação. Esse filme segue personagens cujas vidas se cruzam no dia a dia do trabalho neste chão. Alê (Larissa Siqueira), uma funcionária de pista cuja história familiar foi sobreposta pela construção do aeroporto, conduz a plateia por encontros através dos tempos. Estima-se que prêmios possam coroar a carreira de Flora e Juruna.
Se não bastasse tudo isso, ainda estamos representados nessa seção Fórum com a versão remasterizada de “A Rainha Diaba” (1974), de Antonio Carlos da Fontoura, marcado por um desempenho mítico de Milton Gonçalves (1933-2022). Na Fórum Expanded, Ana Vaz entra em campo com “A Árvore”, descrito como experiência meditativa de geografia e afetos. É uma diretora famosa por seus diálogos com a videoarte e a narrativa experimental, vide “É Noite Na América”, lançado em Locarno em 2022.
Curiosidade: na mostra Perspektive Deutsches Kino, centrada em novas produções alemãs, há um curta-metragem musical germânico todo ambientado numa favela do Rio chamado “Ash Wednesday” (“Quarta-feira de Cinzas”). A direção é de Bárbara Santos e João Pedro Prado.
A Berlinale segue até o dia 26.

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