Myrna Silveira Brandão

Berlim

Com um frio bem mais suportável neste ano, mas com a cidade já tomada pelos cinéfilos, o Festival de Berlim deu início ontem (07.02) à sua mostra competitiva.

Um dos destaques foi o diretor argelino/francês Rachid Bouchareb (“Fora da Lei”), conhecido pelos debates que  costuma despertar em torno de suas abordagens. Mesmo que não agradem, seus filmes sempre provocam reflexão.

Foi o que aconteceu na prévia para a imprensa de La Voie de L’ennemi, seu novo trabalho que concorre ao Urso de Ouro nesta 64ª edição do festival. Muitos aplausos, mas também contestações e questionamentos.

A história segue Garnett (Forest Whitaker),  ex membro de uma gangue do Novo México, que  passou 18 anos na prisão por homicídio.  Em liberdade condicional e, com a ajuda da agente Emily Smith, ele tenta se reabilitar e retornar para uma vida normal. Fantasmas do passado, no entanto, interferem nos planos de Garnett.  O Xerife Bill Agati (Harvey Keitel) quer que ele pague caro pela morte do seu vice.

O filme é uma adaptação livre  de Dois Homens na Cidade, de 1973, de José Giovanni, que trazia Alain Delon e Jean Gabin nos papéis principais. No remake de Bouchareb  são vividos por Whitaker e Keitel.

Além deles, o ótimo elenco conta com Brenda Blethyn, Luis Guzman, Dolores Heredia e a lendária Ellen Burstyn, ganhadora do Oscar em 1975 por “Alice não Mora mais Aqui”, atualmente com 80 anos.

Numa coprodução França / Argélia / EUA / Bélgica, o roteiro foi escrito por Bouchareb, Yasmina Khadra e Olivier Lorelle.

Na coletiva que seguiu à projeção – da qual participou o Laboratório Pop  – Bouchareb falou sobre o filme, o viés que caracteriza  sua obra  e revelou que sempre pensou em Whitaker para o personagem principal.

“Ele era minha primeira opção para o papel. E também sempre achei que o ator ideal para contracenar com ele seria Harvey (Keitel). Enviei o roteiro para eles e comemorei quando aceitaram”, disse.

Bouchareb disse que a maioria dos seus filmes expressa um reflexo da realidade, embora muitas vezes não exprimam necessariamente sua opinião.

“É preciso também deixar claro que são filmes de ficção.   O cinema deve estar numa posição de enfrentar qualquer assunto. Tenho feito isso como diretor, com a minha própria sensibilidade, sem forçar ninguém a partilhar das mesmas ideias”, complementou.

Indagado sobre a mensagem que quis passar com La Voie de L’ennemi, Bouchareb foi coerente com a linha que imprime à sua obra.

“As perguntas que eu estou fazendo em meus filmes  são onde estamos, para onde vamos e porque precisamos ter esperança”, afirmou o diretor, que retorna à Berlinale, onde concorreu ao Urso de Ouro em 2009 com London River, conquistando o Prêmio Ecumênico na ocasião.

UM RETRATO DA GUERRA

Outro destaque da programação foi ’71, de Yann Demange, que  embora seja um filme difícil e sombrio, até agora é o que tem a cotação máxima da Screen, revista de crítica especializada.

Ambientado em 1971, a história segue Gary, um desorientado soldado britânico que tenta sobreviver nas ruas de Belfast, no meio da guerra civil entre católicos e protestantes, quando sua unidade o deixa acidentalmente para trás.

Demange disse, na coletiva após a projeção, que desde o início, percebeu que o conflito tinha inúmeras totalidades de cinza.

“Mas o que mais me prendeu na história foi o elemento “perseguição”, que é visceral e eletrizante. Mas isso somente não bastava, até  porque não tem cabimento explorar um tempo tão  importante da história de um povo apenas para fazer um filme de perseguição, disse o diretor acrescentando que sua intenção era atingir vários públicos.

“Eu quis fazer um filme que fosse verdadeiro nos problemas políticos da Irlanda do Norte, sem ser muito polêmico ou tentar ensinar as coisas para as pessoas, mas que também agradasse à  minha sobrinha e meu sobrinho, ambos com  20 anos de idade”, ressaltou.

Jack, o outro concorrente do dia não entusiasmou muito. O filme é a estreia na direção de Edward Berger que, com o roteirista Muller Stofen,  relata a busca de duas crianças por sua mãe. Enquanto traça uma imagem panorâmica de Berlim com  seus supermercados, night clubes, bares e parques, mostra também assustadoras periferias ao longo do centro da grande cidade.