Rodrigo Fonseca
Indicado ao troféu Platino, o Oscar da latinidade, em duas categorias, Melhor Música Original (com autoria de Chico Buarque e Edu Lobo) e Melhor Direção de Arte (Arthur Pinheiro), “O Grande Circo Místico” chega à TV a cabo neste sábado: dia 30, às 21h45, o filmaço de Cacá Diegues será exibido pelo Canal Brasil. É uma experiência sensorial e sensual, assinada por um dos pilares do Cinema Novo, em constante evolução. Os Platino serão entregues em 12/5.
Foram necessários 12 anos para que Cacá regressasse às veredas da ficção após ser laureado no Festival de Montreal com “O maior amor do mundo” (2006), o momento mais truffautiano de uma filmografia iniciada no formato longa-metragem em 1964, com “Ganga Zumba”. Mas “O Grande Circo Místico” – um livre diálogo com os poemas de Jorge de Lima (1893-1953) no livro “A túnica inconsútil”, de 1938 – enfim chegou, como prova de que a espera foi compensada pela excelência. Desde “Bye bye, Brasil” (1979), sua obra-prima, Cacá não vinha tão visceral, lúdico e sem medo de ser erótico, num momento em que voltamos à Idade Média no que envolve à discussão do desejo e da carnalidade.
Existe em cena um toque de fantasia traduzido em efeitos especiais, em personagens inusitados e na fotografia quase expressionista de Gustavo Hadba, cuja luz acentua o assombro sob um picadeiro de excessos. A parceria com o roteirista George Moura (de joias televisivas como “Onde nascem os fortes”), dono de uma particularíssima estética antropológica interessada na selvageria inata aos processos civilizatórios, deu ao cineasta a possibilidade de estudar as transformações afetivas do Brasil ao longo dos cem anos que seu filme condensa. A trama – transformada em balé por Naum Alves de Souza, em 1983; e em peça musical, por João Fonseca, 2014 – mapeia um século na vida de uma trupe circense amaldiçoada por paixões tempestuosas, pela pressa da Morte em abreviar vidas felizes e pelo machismo. O francês Vincent Cassel empresta seu charme ao filme na pele de um mágico Don Juan que sintetiza em sua empáfia todas as chagas humanas daquela lona de múltiplos misticismos. Cabem ainda nessa lona todos os traços autorais de Cacá (a etnografia da sobrevivência, a magia da fé, as mulheres empoderadas). Num momento de apogeu como cronista, eleito para a Academia Brasileira de Letras, o diretor arranca atuações viscerais de seu elenco, sobretudo de Luiza Mariani – como uma bagaceira refém da fossa -, de Juliano Cazarré (um domador de leões) e de Mariana Ximenes, na pele de uma rancorosa trapezista tatuada. Elas são estrofes iluminadas neste poesia em forma de filme.