Rodrigo Fonseca
Considerado um dos filmes mais essenciais para se entender o desmantelo na lógica de classes sociais do Brasil nos anos 2000, 2010, “Casa Grande”, produção exibida nos festivais de San Sebastián, Roterdã, Paulínia e do Rio em 2014, será exibida às 2h05 da madrugada desta segunda (25/3) pra terça, na grade da TV Globo, abrindo na TV aberta um debate sobre amadurecimento, cota e exclusão. Com base em elementos autobiográficos, este drama dirigido por Fellipe Barbosa alinha-se com a tradição das narrativas geracionais sobre maturidade, construindo uma crônica de uma certa juventude que adolesceu em meio à instabilidade do Plano Real e a falência da alta classe média do bairro do Itanhangá, na Zona Oeste-RJ. Apesar de seu foco estar em um só guri, Jean (Thales Cavalcanti), esse rapaz é um mosaico de outros muitos garotos de 17 e poucos anos, em tempo de alistamento e em tempo de vestibular, que tenta domar os fantasmas hormonais da idade, em meio às ruínas institucionais do país. Jean cresce emparedado pelo zelo desbocado de seu pai, o economista Hugo (Marcello Naves, numa atuação a ser aplaudida de pé a cada fala). Conta ainda com a superproteção de sua mãe, Sônia. Professora de Francês (e mais tarde vendedora de cosméticos), Sônia é vivida (com excelência) pela atriz Suzana Pires, que traz de experiências pregressas com Barbosa, em curtas como “Beijo de sal” (2007). Sob o véu do amor familiar, ao lado de uma irmã caçula de quem desdenha, Jean tenta conter a erupção vulcânica de seus desejos. Primeiro, o desejo de levar uma menina para cama. Desejo este que ele tenta sublimar ao esfregar creme nas coxas de sua empregada, Rita (Clarissa Pinheiro), sempre aliada à ironia. Em segundo lugar, vem o desejo de desbravar o Rio sozinho. Ele quer sair pela cidade sem o motorista que lhe serve de escudeiro e tutor. Conforme a narrativa avança, esses desejos vão se realizar. Mas a realização não se dá por generosidade da vida, mas sim porque o castelo de aparências onde Jean vive entra em fase de desmanche financeira. A solidez de sua família tenta resistir à desaparição gradual de um mundo de riqueza mediada pelos jogos de Hugo na Bolsa de Valores, a partir de seu desligamento do banco onde trabalhava. O dinheiro se vai. E a paz vai junto. E Hugo é pego nesse toró sem guarda-chuva. É sobre esta tempestade afetiva que o filme versa. Depois dele, Barbosa arrebatou prêmios em Cannes com o metafísico “Gabriel e a montanha” (2017) e se banhou em elogios em Veneza com a comédia “Domingo, dirigida por Clara Linhart e ele. Mas é sempre bom rever este ensaio sobre desabamentos emocionais… e financeiros. No IMDB, a mais preciosa mina de dados sobre cinema da web, “Casa Grande” é associado a 13 prêmios internacionais, incluindo o de júri popular no Festival do Rio. De Paulínia, vieram troféus de melhor coadjuvante para Clarisse e Marcello e um de melhor roteiro, dado a Karen Sztajnberg e ao cineasta, por um script a quatro mãos e muitas ideias, fora um prêmio especial do júri. É um longa-metragem de fina inteligência, áspero nos sentimentos, que merece a vitrine de uma multidão de telespectadores.