ROBERT HALFOUN, de Lyon (França)

O copo de plástico duro voa, lançado para o alto como um foguete, no meio da plateia enlouquecida diante do palco da La Rayonne, casa de shows bacana, em Lyon. E a culpa é do Max Cavalera que ordena, ao microfone: “Open the pitch!” (“abram a roda”). O povo vai à loucura.

Max é como um sacerdote. Domina a audiência de forma precisa, com gestos lentos, palavras firmes. Não há histeria. Ele transborda carisma, tem presença de cena que não cabe no corpanzil muito diferente do menino franzino que nos anos 1980 nem pensava em tatuar o seu nome na história do metal mundial.

O tempo passou, Max saiu do Sepultura de forma controversa, criou inúmeros projetos, abriu a cabeça para assimilar várias influências à sua inquieta forma de fazer música. Então, passado, presente e futuro se fundem no mesmo palco.

Junto com o irmão, Igor Cavalera, o Cavalera Conspiracy (ou só Cavalera) regravou os três primeiros discos do Sepultura: o EP “Bestial devastation” e os álbums seguintes, “Morbid visions” e “Schizophrenia”. Agora, o grupo corre o planeta com a turnê “Third world trilogy”, na qual apresenta o repertório da trinca de obras.

Em Lyon, o público de cabelos curtos (sim, mais velho) vê uma performance irretocável com um line-up tocado cronologicamente, que faz a turma voltar o tempo. Extasiada, incrédula com o que vê e o que ouve. O Sepultura, enfim, está vivo. 

As guitarras soam com a agressividade que, não fosse a saída do seu líder e criador, teria feito do Sepultura uma das maiores bandas do mundo. Essa era a percepção que tínhamos e a aposta de 9 entre 10 grandes nomes do rock, em 1996.

De um jeito muito peculiar, Max Cavalera é um grande fazedor de riffs e mestre em reuni-los, criando sequências e variações num esporro cheio de personalidade. A, digamos,  primeira fase do Sepultura é marcada por essa característica, ajudando a formatar o novo estilo de metal que concretizava-se, ao mesmo tempo que não parava de se transformar. Deu no que deu.

Hoje, o gênero ganhou um bilhão de subgêneros e, claro, perdeu força. Aí, vem o Max para arrumar a casa e mostrar como se faz. Ao vivo, o roteiro do show traz as referências imagéticas típicas do death/thrash metal, incluindo demônios no pano de fundo e braçadeira de spikes com  cinto e correias de balas. Eles dão o recado sobre o que você está vendo ali.

E tudo acontece muito rápido, embora o show tenha quase duas horas. Para caber tudo, ou quase tudo, as músicas são tocadas umas coladas nas outras, com paradas basicamente apenas entre os repertórios de um disco e outro.

É assim: soado o último acorde, Max faz uma ode ao álbum que foi apresentado e a banda sai do palco. Retorna pouco depois, quando o líder anuncia a obra que virá. Em todos os casos, o Cavalera toca os destaques de cada disco, com escolhas óbvias que não causam polêmica. Na ordem original.

No bis, tem o clássico “The troops of doom” e surpresas dos álbuns que viriam a seguir. É aqui onde o futuro dá as caras: o Sepultura, na sua última turnê, vai sair de cena. E advinha quem vai seguir para alegria da enorme legião de fãs? 

Ao sair do palco, depois dos agradecimentos e tudo mais, apenas com o microfone nas mãos, Max dá a deixa e puxa o coro, citando pela primeira e única vez, o nome da ex-banda: “Ca-va-le-ra! Se-pul-tu-ra!”.