Raging Bull (1980) Martin Scorsese on the set with Rober De Niro

RODRIGO FONSECA
Está chegando ao fim a homenagem, em forma de retrospectiva, que o Centro Cultural Banco do Brasil vem realizando para Robert De Niro, em sua filial do Rio de Janeiro, desde o dia 26 de junho, como um balanço de cinco décadas (e meia) de carreira do ator nova-iorquino. Aos 75 anos, o astro está prestes a voltar às telas (sobretudo às de streaming) à frente do novo filme de seu bom companheiro Martin Scorsese: o thriller de máfia “The Irishman”. Estima-se que o 76º Festival de Veneza (28 de agosto a 7 de setembro) projetará o esperado longa-metragem, desenvolvido sob a grife Netflix, mas com circulação por cinemas já assegurada. Enquanto esta produção, a ser traduzida por aqui literalmente como “O Irlandês”, com Joe Pesci, Harvey Keitel e Al Pacino ao lado do veterano intérprete, não chega ao país, é possível entender o que tornou De Niro um mito a partir da seleção organizada para o CCBB pelo crítico Paulo Santos Lima, que tem feito um trabalho precioso de curadoria. Vieram dele as preciosas mostras O Cinema Paulista da Retomada e Jerry Lewis, feita a quatro mãos com o igualmente ninja Francis Vogner dos Reis. No RJ, o evento segue até 15 de julho, celebrando não só a estrada por onde De Niro edificou sua lenda, como também sua trajetória ao lado de Scorsese. Neste domingo, às 18h, será exibida uma das pérolas do casamento profissional deles: “Touro indomável” (Raging Bull, 1980), que conquistou o Oscar de melhor ator.
É longa e calorosa a relação entre eles. Só o fato de trabalhar novamente com De Niro, já fez Scorsese tratar “The Irishman” como um espaço de afeto, e não apenas como mais um filme, em sua obra. “De Niro e eu nos conhecemos desde os 16 anos e, agora, estamos numa idade em que a gente se liga para falar de dores novas que estamos sentindo ou de algum cansaço que não fazia parte de nossas rotinas quando Nova York era um mar de criatividade aberto a nós”, disse o mítico cineasta ao Laboratório Pop ao longo de uma palestra no 17º Festival de Marrakech, no início de dezembro de 2018, onde foi homenagear seu velho amigo.

Desde maio do ano passado, quando foi homenageado pela Quinzena dos Realizadores, no balneário de Cannes, com direito ao troféu honorário Carroça de Ouro, Martin Scorsese anda muito generoso com os convites dos festivais internacionais para falar de sua obra. Fez isso na Croisette e voltou a fazê-lo no Marrocos, na mostra anual de Marrakech, onde foi conferir a cópia nova de “Os bons companheiros” (1990) e de “Kundun” (1997) e aproveitou sua passagem pelo evento para falar sobre sua carreira e suas angústias audiovisuais.
“Há cifras muito altas em torno de ‘Homem-Aranha’, ‘Batman’ e esses super-heróis todos, mas filmes ousados de diferentes países, feitos com pouco dinheiro, andam sem espaço. Festivais como este devem ajudar essas produções a encontrar seu público”, disse Scorsese para uma plateia lotada, em um papo triangulado por uma dupla de diretores do Marrocos (Laïla Marrakchi e Faouzi Bensaïdi), que durou quase duas horas, com direito a trechos de cults como “Cassino” (1995) e “A última tentação de Cristo” (1988).

Scorsese abriu o peito em Marrakech, da mesma forma como fez em Cannes. Ambas as cidades extraíram dele um baú de saudades. “Era um menino com asma que não podia correr nem rir muito alto. Numa casa sem livros, meus pais me levaram ao cinema, para ver o clássicos da Hollywood de 1944, 45. A chegada de uma pequenina televisão em nossa casa mudou as coisas, pois havia um canal de TV só para italianos em Nova York, no qual eu vi clássicos da Itália como ‘Paisà’. Ali, a noção de ‘filme estrangeiro’ passou a ser bem próxima para mim”, disse o cineasta, ganhador do Oscar em 2007, por “Os infiltrados”, com Jack Nicholson. “Ao trabalhar com ele, havia um ponto da improvisação que você precisa conhecer bem. É necessário correr atrás dos atores, entender os espaços deles, perceber o quanto há deles nos personagens”.


Festivais gozam do afeto de Scorsese porque foi na Croisette, em 1974, em que ele, então um iniciante, exibiu o longa-metragem que bancou seu passe para o estrelato: “Caminhos perigosos” (“Mean streets), cuja cópia nova deve voltar a circuito em 2019, ao menos na França. “Quando eu trouxe esse filme pra Cannes, nos anos 1970, eu desfrutava de um anonimato que me permita ir de restaurante em restaurante, espiar o Wim Wenders e o Werner Herzog, que estavam começando também, e falar horas e horas sobre filmes. Era uma época em que a gente sabia onde estava cada objeto de uma cena filmada por diretores como Raoul Walsh, a quem eu idolatrava e ainda idolatro, como quem sabe a geografia de um espaço. Era geografia de set”, contou o diretor em Cannes, com a incontinência verbal (tensa e tímida) que lhe é peculiar.

Em Marrakech, ela se fez valer, ao passo em que ele revisitava seus velhos exercícios autorais, incluindo o comercialmente malfadado “O rei da comédia” (1983). “A última vez em que estive com Jerry Lewis, com quem filmei ‘O Rei da Comédia’, em 1983, ele já estava com 91 anos, e me disse uma coisa que bateu forte em mim. Naquele idade, ele ainda pensava em trabalhar e dizia: ‘Se você estiver fazendo um filme, e perceber que o tempo não está bom, há está errado’. No vocabulário do Jerry, ‘tempo ruim’ significava não sentir prazer, não ter foco. Preciso ter foco no que eu espero contar ao pisar num set. Pra isso, eu desenho. Faço desenhos próximos do que chamam de storyboards de cada elemento de uma cena. Cada luta do ‘Touro indomável’ foi desenhada”, disse Scorsese, a uma plateia muda de tamanho encanto, de olhos lacrimejados. “Eu já passei momentos difíceis. Cresci num bairro duro, violento, com muita gente ruim e muita gente boa. Eu não sei o que eu aprendi com os filmes que fiz, mas tive a chance de dominar uma lição: fracassar é ok, desde que você se levante depois. Já vive ‘tempos ruins’ filmando, mas me dei conta de que eu faço cinema para compartilhar com as pessoas referências que aprendi com o cinema e mudaram a minha vida… uma vida que começou pobre, asmática, numa casa sem livros. A falta de livros e a asma me levaram aos filmes. É a cultura da imagem. Nos anos 1970, essa cultura produziu diretores que tinham medo de ver seus projetos extintos pela vaidade de um ator. Nos anos 1980, uma frase de um crítico poderia acabar com um filme. Hoje o problema é o fato de as salas de cinema estarem sumindo”.

Confira a seguir o cardápio integral dos últimos dias da retrospectiva:

PROGRAMAÇÃO – CCBB RIO DE JANEIRO – última semana

10/07 – quarta
13h – “1900”. “Novecento”. De Bernardo Bertolucci. (Itália/França/Alemanha,1976). 317 min. 18 anos. Com Robert De Niro, Gérard Depardieu, Dominique Sanda, Francesca Bertini.
Alfredo (De Niro) e Olmo (Gérard Depardieu) são dois amigos de infância que, por conta de suas origens sociais diferentes, tornam-se inimigos quando adultos, no conturbado cenário político da Itália do início do século 20, que pôs em confronto as lutas trabalhistas e o fascismo. Versão integral do filme, conforme o pretendido pelo diretor.

19h – “Machete”. De Robert Rodriguez e Ethan Maniquis(EUA, 2010). 105 min. 18 anos. Com Danny Trejo, Jessica Alba, Michelle Rodriguez, Robert De Niro.
Machete (Danny Trejo) é um ex-agente federal que agora é imigrante ilegal nos EUA, após ter sua família assassinada por um poderoso narcotraficante no México. Ele é contratado para assassinar um senador do Texas (Robert De Niro) cujo programa de governo é segregar mexicanos e construir um muro na fronteira. A missão, contudo, é uma armadilha, mas agora Machete quer vingança e mobilizará o povo mexicano.

11/07 – quinta
15h – “Jackie Brown”. De Quentin Tarantino (EUA, (1997). 154 min. 14 anos. Com Pam Grier, Robert Forster, Samuel L. Jackson, Robert De Niro.
Jackie Brown (Pam Grier) é uma comissária de bordo que contrabandeia dinheiro do México para os Estados Unidos, a mando de Ordell Robbie (Samuel L. Jackson), um traficante de armas. Dois policiais oferecem um acordo para que Jackie entregue o bandido, o que lhe dá a ideia de ficar com o dinheiro e escapar de todos.

18h – “Fogo contra Fogo”. “Heat”. De Michael Mann (EUA,1995). 170 min. 14 anos. Com Al Pacino, Robert De Niro, Val Kilmer, Jon Voight.
Vincent Hanna (Al Pacino) é um obstinado policial que coloca o trabalho acima de tudo. Neil McCauley (Robert De Niro) é um fora-da-lei igualmente profissional que pretende fazer seu último grande roubo a fim de se aposentar. Sendo os melhores no que fazem, ocorre logo uma mútua identificação entre esses dois homens solitários. Na caçada, Vincent verá seu casamento ruir ao passo que Neil começará um forte romance.

12/07 – sexta
14h30 – “O Franco Atirador”. “The Deer Hunter”. De Michael Cimino (EUA, 1978). 183 min. 18 anos. Com Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep, John Savage.
Operários de fábrica numa pequena cidade na Pensilvânia, os amigos Michael (Robert De Niro), Steven (John Savage) e Nick (Christopher Walken) alistam-se nas forças armadas para lutar na Guerra do Vietnã. Eles se despedem da família e dos amigos na festa de casamento de Steven e partem para a batalha. Infernal, a experiência separa os amigos e será um trauma na vida de todos, um deles desaparecendo no Vietnã e os outros dois retornando psicologicamente devastados aos EUA. Oscar de Melhor Filme e de Melhor Direção.

18h30 – “Desafio no Bronx”. “A Bronx Tale”. De Robert De Niro (EUA, 1993). 121min. 16 anos. Com Robert De Niro, Chazz Palminteri, Lillo Brancato, Francis Capra.
Lorenzo (De Niro) é um motorista de ônibus corretíssimo que assiste, preocupado, à amizade entre seu filho, Calogero (Francis Capra, aos 9 anos, e Lillo Brancato, aos 17) e o gângster do bairro, Sonny (Chazz Palminteri), num laço que vai ganhando mais força com o passar do tempo.

13/07 – sábado
14h30 – “Os Intocáveis”. “The Untouchables”. De Brian De Palma (EUA, 1987). 119 min. 14 anos. Com Kevin Costner, Sean Connery, Robert De Niro, Andy Garcia.
Na Chicago dos anos 1930, o jovem agente federal Eliot Ness (Kevin Costner) tenta acabar com o reinado do gângster Al Capone (Robert De Niro). Ele recruta um pequeno time de corajosos e incorruptíveis homens, entre eles um experiente policial, Jim Malone (Sean Connery).

17h – “Era Uma Vez na América”. “Once Upon a Time in America”. De Sergio Leone (EUA/Itália, 1984). 229 min. 18 anos. Com Robert De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Tuesday Weld.
Na década de 1920, Noodles (Robert De Niro), Max (James Woods), Cockeye (William Forsythe) e Jimmy (Treat Williams) crescem juntos cometendo pequenos crimes nas ruas do Lower East Side, em Nova York. Seus feitos vão tomando vulto ao passo que incomodam os violentos rivais. Essas passagens serão relembradas por um já idoso Noodles, que retorna ao bairro para desvendar um enigma.

14/07 – domingo
14h – “O Poderoso Chefão 2”. “The Godfather: Part II”. De Francis Ford Coppola (EUA, 1974). 202 min. 14 anos. Com Al Pacino, Robert De Niro, Robert Duvall, Diane Keaton.
Início do século XX. Após a máfia local matar sua família, o jovem Vito (Robert De Niro) foge da sua cidade na Sicília e vai para a América. Já adulto em Little Italy, Vito luta para ganhar a vida (legal ou ilegalmente) e manter sua esposa e filhos. O poder de Vito vai crescendo, mas sua família é o que mais lhe importa. Nos anos 1950, com o patriarca morto, é o caçula Michael (Al Pacino) quem mantém o legado da família Corleone. Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para De Niro.

18h – “Touro Indomável”. “Raging Bull”. De Martin Scorsese (EUA, 1980). 129 min.16 anos. Com Robert De Niro, Cathy Moriarty, Joe Pesci, Frank Vincent.
Baseado na vida do peso-médio Jake La Motta. Conhecido como “o touro do Bronx”, Jake (De Niro) sobe na carreira com a mesma rapidez com que sua vida particular se degrada, graças ao seu temperamento violento e possessivo, que afeta a esposa, Vickie (Cathy Moriarty), e seu irmão Joey (Joe Pesci). Oscar de Melhor Ator para De Niro.

15/07 – segunda
15h30 – “O Bom Pastor”. “The Good Shepherd”.De Robert De Niro (EUA, 2006). 167min. 14 anos. Com Matt Damon, Angelina Jolie, Alec Baldwin, Robert De Niro.
Baseado na história de James Jesus Angleton, um dos primeiros chefes da CIA, o filme acompanha Edward Wilson (Matt Damon), sempre discreto e compromissado com a honra. Sua mente afiada e sua crença nos valores americanos o tornam um ideal candidato para o que seria a futura agência de espionagem norte-americana. Mas seu talento não faz dele um marido exemplar e também não o livra de lidar com a tensão política da Guerra Fria, nos anos 1960.

19h – “A Família Flynn”. “Being Flynn”. De Paul Weitz (EUA, 2012). 102 min. 16 anos. Com Robert De Niro, Paul Dano, Julianne Moore, Olivia Thirlby.
Nick (Paul Dano) é um aspirante a escritor que passa por uma situação instável, inclusive psicologicamente. Ele lida com um passado que conta com ausência paterna e morte de sua mãe. Não só ressentido, Nick também rejeita semelhanças com o pai, Jonathan (Robert De Niro), que também é escritor e, irreverente e mordaz, jura ter concluído uma obra-prima da literatura. Após anos, o pai reaparece, sem teto e mendigando. A relação entre os dois, irredutíveis, não será fácil.