Rodrigo Fonseca
Um dos maiores ícones da atuação do cinema, Al Pacino, que acaba de completar 84 anos, é alvo de uma retrospectiva riquíssima de sua carreira no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Centro do Rio de Janeiro. Nesta sexta rola “Serpico” (1973), às 14h30, e o lendário “O Poderoso Chefão” (1972), às 17h. Sábado tem “Justiça Para Todos” (1979) e “Fogo Contra Fogo” (1995). Na entrevista a seguir, o curador do evento o crítico Paulo Santos Lima, detalha elementos da técnica de Pacino em cena.

Qual é o principal traço do Método que Al Pacino segue (ou supostamente deveria seguir) e de que modo ele expandiu esse saber?
Paulo Santos Lima:
A performance em cena de Al Pacino mescla, quase sempre, contenção e explosão, fragilidade sensível e intensidade titânica. O que muda, entre filme e outro, é mais a ênfase e o que esse corpo-face está enunciando. Não é só isso, claro, pois há também uma força no olhar que, num filme como “Um Dia de Cão”, é toda uma usina de sentimento e drama a ver com aquele personagem desesperado e apaixonado. É esse olhar, junto a um gestual e a um corpo de “morte cansada” (mesmo nos instantes mais solares e apaixonados) que predica à marca “Al Pacino” uma interioridade, algo que emerge das profundezas daquele ente e seu corpo. Isso é, na essência, a experiência do Método, do personagem vir de dentro do ator, de ele encontrar esse personagem dentro de si. No correr dos anos, entre os anos 1970 de Nova Hollywood aos anos do século 21, Al Pacino foi do registro mais realista, de autenticidade, a uma atuação mais acentuadamente codificada (“Scarface” é um ótimo exemplo) e daí, já definitivamente uma imagem instalada no imaginário coletivo, reiterando a si próprio em filmes como “Perfume de Mulher”, “Advogado do Diabo”, “Era Uma Vez em… Hollywood” e mesmo num registro de autenticidade (estilizada, sempre) do cinema de Michael Mann em “Fogo contra Fogo”. Em todos esses casos, seja em filmes ordinários que fez nos anos 2000/2010 ou os seus grandes clássicos, está na tela um homem que parece existir antes do filme, um ator que reconhece o “manual Marlon Brando” mas optou por uma caligrafia mais comprometida com o mundo real, daí mais natural e inesperada. O Método, a meu ver, meio que ambicionava esse encontro entre a performance e o mundo real.

De que forma ele encarna os preceitos da Nova Hollywood e como, com o passar das décadas, seu legado ainda serve de farol?
Paulo Santos Lima:
Al Pacino trouxe, no próprio corpo e no rosto (mais especificamente nos olhos), toda uma condição de mundo. Seu Michael Corleone, em “O Poderoso Chefão” é um homem devastado, abatido pelo destino que o obrigou a seguir um caminho maldito. Isso está nos olhos e nos ombros que carregam o peso da vida, e que, no terceiro filme, estará mais abatido, pois fisicamente combalido e melancólico. Logo depois, em “Um Dia de Cão”, estava lá um homem desesperado em sua gestualidade e seu olhar desesperado. Um olhar outro é o do personagem de “Parceiros da Noite”, ali transmitindo uma letalidade idem à violência de um mundo violento, amaldiçoado e materialmente caótico, como os filmes de William Friedkin quase sempre nos falavam. O cinema da Nova Hollywood foi à realidade desse mundo, e foi dele que vieram seus mais cruciais filmes. Não é o único, mas Pacino foi quem trouxe ali toda um estado das coisas pelos olhos, ombros e mãos.