Cédric Kahn dá instruções a Anthony Bajon nos sets de “A Prece”, filme que deu ao jovem ator o Urso de Prata na Berlinale 2018

Rodrigo Fonseca


Festa anual do cinema francês em Paris, o Rendez-vous Avec Unifrance, agendado de 17 a 21 de janeiro, vai abrir espaço para a metafísica religiosa ao emprestar seus holofotes a um ator que vem crescendo esteticamente, filme a filme, também como diretor: Cédric Kahn. Ele vai estar lá, entre 100 artistas de seu país, com o polêmico “A prece”. Ímã de controvérsias por onde passa, com seu olhar crítico sobre o papel sociabilização das religiões, La prière” (no original) é comparado a um clássico moderno – “Os Incompreendidos” (1959), de François Truffaut – em seu olhar sobre a juventude, referendado por uma série de elogios no Festival de Berlim. Saiu de lá com o prêmio de Melhor Ator para Anthony Bajon, de 24 anos, cuja comovente atuação como um delinquente juvenil assolado pelas drogas comoveu a capital alemã. Mais recente experiência de Kahn (de “A economia do amor”) na direção de longas-metragens, este drama sobre redenção abriu debates quentes sobre a representação da Fé na 42ª Mostra de São Paulo e no Festival do Rio. Kahn anda fazendo sucesso ainda como coadjuvante no magistral “Cold War”.

“Nosso empenho durante o processo de filmagem era conseguir que esta história sobre a luta de alguém que quer se desintoxicar possa tocar as pessoas de maneira universal, ao mostrar o descontrole das emoções”, disse Bajon ao Laboratório Pop em Berlim, em fevereiro.

Respeitado como cineasta por longas como “A vida vai melhorar (2011), Khan surpreendeu a crítica com a maturidade com que dirige “A prece”. “A proposta aqui não é julgar a Igreja, nem elogiar a dimensão redentora que um grupo religioso pode ter para alguém que está sofrendo. Meu foco se divide entre a autodescoberta e a solidão. É um filme sobre o calvário de sair de um inferno aberto por escolhas erradas”, disse o cineasta francês, que só no fim de semana de estreia de seu longa na França arrebatou 86 mil pagantes.

Em “A prece”, Kahn acompanha a perseverança de um grupo jovem da Igreja Católica, que tem na freira Myriam (a veterana cantora e atriz alemã Hannah Schygulla) uma referência de fé, para se livrar da tentação das drogas e do álcool. Muitos foram parar ali para se salvarem do vício, como é o caso do dependente químico Thomas (Anthony Bajon), agressivo diante da Palavra de Deus. De cara, o filme parece querer investigar o papel do Catolicismo e da liturgia de Cristo na recuperação de adolescentes. Mas, com poucos minutos, o cineasta deixa claro que a religião é só um detalhe no arranjo narrativo seco que criou, lembrando o legado de Truffaut.
“Nos sets, Anthony realmente lembrava o personagem de Truffaut em ‘Os incompreendidos’, Antoine Doinel, que era o alter ego dele”, disse Kahn ao JB. “Mas não fiz uma releitura muito consciente do que aprendi vendo Truffaut. A questão era simplicidade: olhar o realismo sem feri-lo com muitos adereços fabulares. Esse era o caminho para levar às telas o sacrifício da fé”.
Ainda o Rendez-vous Avec Le Cinéma Français da Unifrance vai ter uma projeção de gala da comédia “Qu’est-ce qu’on a encore fait au bon Dieu?”, de Philippe de Chauveron, continuação do fenômeno popular “Que mal eu fiz a Deus?” (2014). Vai ter também um prêmio de honra ao mérito para a dupla Olivier Nakache e Éric Toledano, de “Intocáveis” (2011), um ímã de pagantes, com 20 milhões de ingressos vendidos. Entre os convidados já acertados estão Claire Denis, apresentando a sci-fi freudiana “High life”; o animador Michel Ocelot, com “Dilili à Paris”; o tunisiano Abdellatif Kechiche, que faz uma crônica da juventude do Mediterrâneo dos anos 1990 com o drama “Mektoub, my love – Canto Uno”; e Vincent Cassel, brincando de anti-herói no papel do fora da lei Vidocq, em “L’Empereur de Paris”, superprodução que somou 500 mil espectadores em duas semanas, ao ser lançado, em Paris, no fim de dezembro.