“Parque Mayer” vendeu cerca de 40 mil ingressos este mês, em 20 dias em cartaz em Lisboa, recriando o início do jugo salazarista

Rodrigo Fonseca
Apesar da proximidade idiomática, o cinema português é ave rara por aqui: por sorte de seus fãs em nossas terras, 2019 abriu com a generosa oferta de “Ama-San”, de Claudia Varejão”, um .doc sobre as “mulheres do mar”, mergulhadoras que enfrentam as águas do Pacífico à cata de pérolas e moluscos. É de uma beleza plástica singular. Mas há uma joia lusa que pode ter um diálogo direto, frontal e amplo com nossas plateias mais populares e que não integra (pelo menos até onde se sabe) o pacote de estreias estrangeiras em nossas telas: “Parque Mayer”. Enquanto o cinema brasileiro chora pela queda vertiginosa de público sofrida ao longo deste 2018, tanto entre os filmes autorais de maior ousadia estética quanto entre as comédias talhadas para o varejo, Portugal iniciou o ano com seu público pagante a afagar esta (deliciosa) homenagem ao teatro de revista dos anos 1930, dirigida por António-Pedro Vasconcelos. Não chega a ser um afago passional: são apenas 38.946 ingressos vendidos, o que, lá, já é bastante, dado a proporcionalidade da população deles em relação à nossa. Mas é menos do que se esperava para um realizador conhecido por feitos como “Call girl” (um fenômeno em venda de ingressos em solo lusitano, lançado em 2007 e visto por 232 mil espectadores). Mesmo assim, sob a concorrência pesada de Hollywood, seu delicioso novo longa-metragem se faz notar, pelas gargalhadas que arranca da plateia, a torcer pelo duelo de seus personagens contra a repressão salazarista.

Em “Parque Mayer”, Vasconcelos, um cineasta já septuagenário, narra a luta de uma trupe de revisteiros para levar uma nova comédia, “À direita volver”, aos palcos apesar da patrulha dos censores de Salazar. O espetáculo é estruturado em meio à chegada de uma aspirante à atriz, Deolinda (Daniela Melchior), uma garota de programa vinda de Fátima que sonha deixar sua rotina na prostituição para viver do teatro e do canto. O coração da moça bate pelo autor da revista, Mário Pintor (Francisco Froes), em dúvida acerca de sua sexualidade. Mas ela sofre o cortejo do galã da peça, Eduardo (Diogo Morgado, um poço de carisma). Tudo isso se passa em meio a prisões, brutalidades estatais e o sonho de fazer da arte o recanto da liberdade.

Fora “Parque Mayer”, há outros bons augúrios para Portugal no cinema neste ano que acaba de nascer, a começar pela presença do cinema português na competição oficial do Festival de Roterdã (de 23 de janeiro a 3 de fevereiro, na Holanda) com “Alva”, de Ico Costa: é uma trama de vingança sobre um homem que perdeu a guarda de suas filhas. Fora isso, há uma celebração entre a crítica local pelo regresso de um dos mais festejados realizadores locais: Pedro Costa, que hoje finaliza “As filhas do fogo”, quatro anos após ter sido laureado com o troféu de melhor diretor no Festival de Locarno por “Cavalo Dinheiro”. Há mais uma leva de diretores lusos de respeito com filmes novos a caminho. E, se não bastasse, eles ainda estão prestando um tributo a seu mestre maior, Manoel de Oliveira (1908-2015), realizador do cult “O princípio da incerteza” (2002), com uma retrospectiva na Cinemateca de Lisboa. É cinefilia por todos os lados, em variadas latitudes.