RODRIGO FONSECA
Comemorando o êxito mundial de “Assassinos da Lua das Flores”, cuja bilheteria beira US$ 160 milhões, o diretor Martin Scorsese será agraciado pelo 74. Festival de Berlim com o Urso de Ouro Honorário, numa cerimônia agendada para 20 de fevereiro. O evento abre suas portas e suas telas no dia 15/2 e segue até o dia 25/2, com direito a uma seleção de longas do cineasta em retrospeciva. Indicado ao Globo de Ouro em sete categorias, o épico do realizador de “Taxi Driver” (Palma de Ouro de 1976) se mantém na dianteira nas apostas acerca de potenciais indicações ao Oscar de 2024. Em 2008, Scorsese abriu a Berlinale com o .doc “Shine a Light”, no qual filmou os Rolling Stones em ação.

Oscarizado em 2007 por “Os Infiltrados” e laureado com o troféu de Melhor Direção do Festival de Veneza de 1990 por “Os Bons Companheiros”, o diretor de 81 anos não para de produzir e já tem um filme novo para rodar. “The Wager: A Tale of Shipwreck, Mutiny, and Murder”. Trata-se de um épico náutico que se passa na América do Sul em 1740, tendo como protagonista um de seus musos: Leonardo DiCaprio. Os dois fizeram seis filmes juntos.
Robert De Niro, que atua com DiCaprio no já citado “Killers of The Flowers Moon”, fez mais: foi dirigido por Marty (apelido do realizador) dez vezes. Um dos títulos mais brilhantes dessa parceria deles é “O Rei da Comédia” (1983).

Em fevereiro deste ano, a Berlinale concedeu seu troféu de honra a Steven Spielberg. Há um ciclo de celebrações de grandes vozes autorais no evento, e elas coicidem, quase sempre, com as disputas mais quentes pela estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Celebrizado nas veredas da violência por meio de tramas de máfia, centradas na sociologia de uma América suburbana, Scorsese envereda por códigos do western não pelas malhas mais populares do gênero (duelos, cavalgadas, desbravamento do Oeste), mas por um veio antropológico, no mesmerizante “Assassinos da Lua das Flores”. Superprodução de US$ 200 milhões, o novo longa-metragem do realizador de cults como “O Irlandês” (2019) é uma adaptação ousadíssima, de três horas e 26 minutos, do livro de não-ficção “Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI”, do jornalista americano David Grann. É um tratado histórico contra o racismo americano, que adotou os povos originários de seu território como objeto de intolerância, entre eles a população indígena Osage. De Niro e DiCaprio estão fabulosos em cena.

Ganhador do Oscar por “A Baleia”, Brendan Fraser tem uma participação luminosa no terço final de “Assassinos da Lua das Flores”, um projeto da AppleTV que teve uma exibição em tela grande em maio, no Festival de Cannes. A montagem de Thelma Schoonmaker (sempre exuberante em sua esgrima com a mesa de edição) equilibra tensão, conspirações políticas, melodrama e confronto de culturas. É nesse último aspecto que Lily Rose Mary Gladstone – atriz descendente dos indígenas Nimíipuu e Pikunis – se destaca em cena, e se candidata ao Oscar. Concorre já ao Globo de Ouro.
Numa mistura de melancolia e resiliência, a personagem dela ilumina a trama fotografada por Rodrigo Prieto. Proustiano, Scorsese busca um tempo perdido quando os Osage ficam ricos com a descoberta de combustível fóssil (petróleo) em suas terras, no início do século XX, logo após a I Guerra. Nos anos 1920, em Oklahoma, eles passam a ser manipulados por um senhor feudal fora de época, chamado de “Rei”, o poderoso William Hale (De Niro, em magistral atuação). Precisando de alguém de confiança para garantir que nenhum Osage passe do ponto, matando-os se preciso for, Hale dá emprego de motorista (e de faz-tudo) para seu sobrinho, Ernest, vivido por um Leonardo DiCaprio maduro, com ares de Burt Lancaster. No flerte com os indígenas que deve vigiar, eliminando alguns, Ernest se casa com uma herdeira dessa população, Mollie, papel de Gladstone. Mollie ficou rica, mas padece de diabetes, sem conseguir dar conta do mal-estar que sente. Padece também da dor diante das mortes de seus conterrâneos. O amor de Ernest é um alívio pra ela, mas será, mais adiante, um caos. É o que se passa quando ela percebe que seu companheiro está ligado a crimes de ódio. As confusões de Ernest acabam num tribunal, num julgamento em que todas as imposturas dos EUA entram no banco dos réus.
Estima-se que a Berlinale vá projetar o longa após entregar seu Urso de Honra ao diretor.