RODRIGO FONSECA
De carona na visita do cineasta indiano Manoj Nelliyattu “M. Night” Shyamalan em São Paulo, para a campanha promocional de “Armadilha” (“Trap”), que estreia no próximo dia 8, a TV Globo resolveu escalar um dos melhores filmes recentes do diretor para a “Tela Quente” desta segunda-feira (22/7): “Tempo” (“Old”). É uma produção de US$ 2021, orçada em US$ 18 milhões, que faturou US$ 90 milhões mundialmente. A mobilização no PlimPlim causada pelo reclame publicitário do longa-metragem mostra que Shyamalan ainda é capaz de mexer com a curiosidade e o medo das plateias.
Esse tenso longa do realizador de “O Sexto Sentindo” (fenômeno popular em 1999, quando arrecadou US$ 672 milhões) foi rodado na República Dominicana, com base em graphic novel franco-suíça da dupla Pierre-Oscar Levy e Frederik Peeters, chamada “Château de Sable”, traduzida em português como “Castelo de areia”, pela Tordesilhas. Na trama protagonizada por Gael García Bernal e Vicky Krieps, um grupo de turistas encara uma assustadora mutação em uma praia paradisíaca que altera a aparência de quem está ali, tornando as pessoas beeeem mais velhas, acelerando a decrepitude de corpos. O thriller de terror é estrelado ainda por Eliza Scanlen, Thomasin McKenzie, Alex Wolff, Rufus Sewell e Embeth Davidtz.
Seu trailer, hoje no ar na TV aberta, em chamadinhas da Globo, ilustram o quando o diretor é capaz de se reinventar. Reinvenção é uma arte na qual M. Night Shyamalan é um mestre. Depois de ter caído em desgraça com o injustiçado “A Dama na Água” (2006), ele amargou uma década de rejeições até se recriar a partir da televisão, com um seriado com aura de cult “Wayward Pines” (2015), com Matt Dillon, redescobrindo o prazer de filmar com baixíssimo orçamento e total liberdade. Foi essa a sua realidade em “A Visita” (2015), um exercício autoralíssimo da carpintaria do assombro, com o qual ele redescobriu as manhas do terror a partir das quais havia despontado para o estrelato, com o já citado “O Sexto Sentido”.
De volta às veredas do medo, onde lançou-se como grife, na plenitude de sua potência estética, ele se reencontrou e recuperou a tarimba de abocanhar gordas bilheterias, com um soberbo trabalho díptico: “Fragmentado” (2017) e “Vidro” (2019). Os dois vieram carregados de elogios, a maioria voltados para a condução febril do enredo sobre um sujeito com 23 personalidades que sequestra três moças e acaba atraindo as atenções de um vilão chamado Sr. Vidro (Samuel L. Jackson).
A medida de seu sucesso se dá em números: esses seus dois últimos longas arrecadaram um total de meio bilhão de dólares, juntos: US$ 548 milhões. Ecos de “Psicose” (1960) trovejam narrativa adentro, fazendo justiça à comparação entre Shyamalan e a práxis cinemática de Hitchcock, no que envolve a opção por sugerir em vez de escancarar, de criar clima ao invés de apelar para um grafismo pornográfico da violência. Viradas de roteiro – o trunfo de seus primeiros filmes – ficaram para trás. É na imagem que ele encontra o diferencial de narrativa e de sedução, como sugere a narrativa de “Tempo”.
Há uma frase seminal em “O sexto sentido”, mais sútil e lúdica do que o desabafo que o celebrizou (“I see dead people!”), na qual se aprende: “Na vida, algumas magias podem ser reais”. Nos últimos 20 anos, período no qual estabeleceu-se como um dos realizadores mais ousados de Hollywood, mesmo quando a Meca do cinemão o esnobou, Shyamalan – nascido em Mahé, Pondicherry, na Índia, em 1970 – nunca abriu mão da crença no mágico, no fantástico, no ilusório. Até “Sinais” (2002), com Mel Gibson, a fantasia tinha lugar encantador em sua filmografia. Depois de “A vila” (2004), sua obra-prima, ilusão passou a simbolizar opressão em seu autoralíssimo cinema, de uma carpintaria que sempre se apegou a sutileza. Não por acaso, seu olhar passou a gravitar para o suspense. Em Shyamalan – que presidiu o júri da Berlinale em 2022 -, tempo é incerteza.
Sobre o esperado “Armadilha”, resta uma pergunta: qual grau de adrenalina e de loucura atinge as veias de um psicopata que leva uma vida de fachada e, num belo dia, ao levar a filha a um show, perece que o evento é uma arapuca para prender um serial killer? Ninguém, no âmbito da Lei, sabe quem é esse assassino. Sua identidade é algo que a polícia almeja descobrir, embora tenha certeza absoluta de que ele está lá. O papel central é vivido por Josh Hartnett, que também passou pelo Brasil.