Myrna Silveira Brandão, de Nova York
Adeus à linguagem (Adieu au langage, no original), de Jean-Luc Godard, foi o destaque do início das sessões prévias para a imprensa da 52ª edição do Festival de Nova York nesta terça (16).
O filme repete aqui o sucesso que teve em Cannes, onde Godard, aos 83 anos, ganhou o Prêmio do Júri de melhor diretor dividido com Mommy, do canadense Xavier Dolan.
Dolan tem 25 anos, mas a diferença de idade não parece influir no talento de ambos. Dolan tem uma carreira promissora, Godard é um mestre em plena forma.
No catálogo do festival, em texto escrito pelo próprio diretor – que não foi a Cannes nem veio aqui – é detalhado o cerne de Adeus à linguagem.
“É uma história simples: uma mulher casada e um homem solteiro se encontram. Se amam, brigam… Um cachorro vaga entre a cidade e o campo. As estações passam. O homem e a mulher se encontram novamente. O cachorro encontra os dois”, tenta explicar Godard, dando margem a muitas interpretações para o seu inusitado filme.
A história segue, o antigo marido aparece e um segundo filme começa, parece o mesmo que o anterior, mas não é bem assim. Enquanto isso, pessoas falam da queda do dólar, da verdade na matemática e da morte de um passarinho.
É mais um filme da obra recente do diretor em torno de três elementos: três personagens, três recomeços e realização em 3D. O diretor volta a explorar o ambiente tridimensional, ferramenta que potencializa a experiência de confusão de imagens irregulares, negativas, sobrepostas e deslocadas.
A tripla abordagem vem sendo recorrente nos seus últimos trabalhos: Elogio do amor contemplava passado, presente e futuro; Nossa música se passa em três capítulos: Inferno, Purgatório e Paraíso. Filme socialismo também tem três momentos: o cruzeiro marítimo; um processo; e as escalas do navio em seis lugares.
Conforme tem enfatizado em entrevistas, Godard, já há algum tempo, vem seguindo a ideia de produzir roteiros triplos.
“Um passado, um presente, um futuro; uma imagem, outra imagem e a seguinte. Para mim, a terceira é aquela que não se vê e deriva do que se viu e do que se verá”, diz o diretor mais confundindo do que esclarecendo, mas de qualquer forma, mantendo seu estilo único.
Adeus à linguagem é uma abordagem semelhante às obras mais recentes do diretor, que envolve sua total independência das concepções narrativas clássicas. Godard fala da linguagem visual, de texturas, de experimentação e de vídeo arte. Produz imagens em negativo, cores transformadas, saturação, rodagem convencional e o 3D, materialização quase física de uma série de cenas que também mostra o casal protagonista do filme.
Mas o cineasta demonstra total segurança no que faz. Em Adeus à linguagem, o aparente descontrole da narrativa é tão gritante que, em certo momento, nos damos conta que não há improvisações, foi tudo calculado. A obra chegou a ser descrita pelo diretor como “uma valsa em forma de filme”.
“Esse é o meu melhor trabalho”, ressalta Godard, um dos principais representantes da Nouvelle Vague, que inventou uma nova maneira de se fazer cinema, em filmes como Acossado (1960) e O demônio das onze horas (1965), entre muitos outros.