Séries

Inédito de Cacá Diegues está chegando…

Por Laboratório Pop

Ainda tem muita água pra rolar até domingo, quando “O Grande Circo Místico”, de Carlos Diegues, vem encerrar o Festival do Rio 2018, comprovando as qualidades formais e poéticas que garantiram sua escolha como representante brasileiro na briga por uma vaga na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2019. Ele terá uma pré em solo carioca neste sábado, às 21h30, no Odeon, e, depois, passa no dia seguinte, às 18h45, no Kinoplex São Luiz.
Foi bonita demais a sessão do “Circo” em Cannes, numa projeção especial dedicada ao conjunto da obra do cineasta. Por duas vezes nesta década, ele foi à Croisette como jurado, em 2010, avaliando curtas, em em 2012, ano em que coroou Ben Zeitlin e seu Beasts of Southern Wild. Lá na Meca da Palma de Ouro, o mais etnográfico dos diretores cinemanovistas nacionais é visto como autoridade autoral. E seu novo longa é um emblema de sua excelência.

Anotações ao fim de uma projeção de “O Grande Circo Místico”, em dezembro de 2017, enquanto o filme, baseado em Jorge de Lima, encontrava sua forma final:“Existe um quadro de que gosto imenso chamado ‘Angelus Novus’, o ‘Anjo da História’, no qual Paul Klee mostra um querubim de pupilas escancaradas diante dos horrores do Homem. Um horror que se dá no Tempo… que dá mecanicidade ao Tempo. Trata-se de um ‘horror-colírio’, que mesura o tamanho de nossa tragédia fundadora nas pupilas de quem observa o passar das eras, nas franjas das horas. É esse  horror que desenha, com o giz de Jó, o giz da espera, a máscara trágica de Celavi, o personagem central de Carlos Diegues em seu Circo de encantamentos. Na plástica de sua face de Pierrô, o personagem, vivido por Jesuíta Barbosa, pinta, a partir de uma aquarela de sensações armadas por Cacá e por seu roteirista, George Moura, o óleo vivo de um século de extremos.

É um filme sobre um século de invenções, traições, desilusões, transas e lutas pelo pão de cada dia de uma trupe. Celavi é o mestre de cerimônias que testemunha os vários donos que passam pelo picadeiro sem jamais envelhecer, como se fosse um ser mágico, felliniano. A narrativa, amparada pelo mais belo trabalho de fotografia de Gustavo Hadba (o mesmo de “Faroeste Caboclo”), concentra-se nos extremos que se passam debaixo de uma lona encantada e nas prevaricações de vários personagens a ele associados. Tem erotismo, tem riso, tem inquietude.

Observar estes cem anos de solidão grupal requer História e Estética, em um casamento hegeliano. Esse percurso, contudo, imana (e imanta-se d)as memórias de Cacá, seja de Jorge de Lima, seja de Orfeu, seja de Humberto Mauro. É o percurso do ‘io mi ricordo’ (a recordação na língua de Rimini, terra de Fellini). É o Amarcord de Cacá, onde Walter Benjamin e Cecil B. De Mille se encontram no maior espetáculo da tela.

Filmes exigem comunhão. A catequese dessecirco passa pela carne pra chegar ao espírito. Puro Jorge de Lima, claro… mas também há nele uma certa revisão crítica da instância poética do cinema brasileiro, que se materializava em metástase metafísica em Paulo Cézar Saraceni e Glauber Rocha. Cacá, que sempre filmou com os pés na estrada da antropologia, abre-se aqui ao enlevo e faz um filme de ruptura com o chão. Um voo de trapézio”.

Não poderia haver notícia melhor para o cinema nacional em 2018 do que a presença de um de nossos mestres no picadeiro dos picadeiros da Imagem, Cannes, de onde ele saiu coroado com elogios pelo tom lírico, pela sua delicadeza no modo de retratar o sexo e pela bela fotografia de Gustavo Hadba. Seu Circo um trabalho para  a posteridade.