RODRIGO FONSECA
Quando seu celular tocou, durante uma entrevista coletiva improvisada no restaurante sérvio Visconti, num resort na vila de Mokra Gora, a cerca de três horas de Belgrado, Matteo Garrone riu um acabrunhado sorriso de vitória, em reação à indicação ao Oscar que recebeu na tarde desta terça-feira. “Vocês podem imaginar que meu telefone hoje não parou”, comemorou o diretor romano, celebrando a vitória de seu longa-metragem mais recente: “Io Capitano”. Foi com ele que o Festival de Küstendorf, criado pelo também cineasta Emir Kusturica, abriu suas atividades, esta noite, em terras eslavas. Garrone é consagrado mundialmente por “Gomorra” (2008) e “Reality” (2012). Ambos renderam a ele o Grande Prêmio do Júri de Cannes, fazendo dele um dos poucos realizadores do mundo a ter dois troféus desses. Ele ainda brilhou nas bilheterias com sua versão em carne e osso para “Pinóquio” (2019), adotando Roberto Benigni, de “A Vida É Bela” (1998), como seu Geppetto.
“De certa forma, ‘Io Capitano’ é uma mistura de ‘Gomorra’ com ‘Pinóquio’, por ser um filme pessoas jovens, com alma de criança, assoladas pela violência do mundo, mas cercadas de um tom mágico”, disse Garrone, em Küstendorf.
Ele foi laureado com o Prêmio de Melhor Direção do Festival de Veneza pelo longa, que agora integra a lista de indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. “Essa indicação faz com que a gente entre num processo de correr atrás de votos, similar ao da política, numa eleição. Eu vejo o longa da Inglaterra (“Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer), disparar em primeiro lugar. É um diretor de que gosto e admiro. Nossa carreira nessa competição agora depende do trabalho de sermos vistos, do investimento das distribuidoras”, explica o cineasta.
Além do Leão de Prata pela excelência de Garrone no comando do set, “Io Capitano” recebeu o troféu Marcello Mastroianni de Melhor Estrela Revelação (para Seydou Farr) e mais dez prêmios de júris paralelos. Farr vive um adolescente senegalês de 16 anos que se junta a seu primo de mesma idade, Moussa (Moustapha Fall) numa jornada de Dakar para a Sicília, em busca de uma vida melhor. Passa por toda a sorte de percalços para isso, encarando um deserto escaldante, tropas armadas e barcos lotados. É uma narrativa tensa, mas comovente, que dialoga visualmente com a tradição do grande cinema italiano moderno.
”Eu sou um pintor de formação, por isso, busco histórias que me ponham em risco, ao me desafiar, na busca por narrativas de riqueza visual”, disse Garrone ao Laboratório Pop.
Além de “Io Capitano”, o Festival de Küstendorf promove uma competição de curtas e exibe uma leva de longas contemporâneos rechegados de provocações temáticas e inquietações narrativas, como “Comandante”, de Edoardo De Angelis; “Lost Country”, de Vladimir Perisic; “The Last Motorship”, de Ilya Zhektyakov; e “Disco Boy”, de Giacomo Abbruzzese. Serão exibidos ainda clássicos como “Ouro e Maldição” (“Greed”, 1924), de Erich von Stroheim; “8 ½” (1963), de Fellini; “Wishing Tree” (1976), de Tengiz Abuladze; e “Sindicato de Ladrões” (1954), de Elia Kazan. Rola ainda uma sessão de novos autores, da qual fazem parte “Desperate For Marriage”, de Sonya Karpunina; “A Gaza Weekend”, de Basil Khalil; “Terrestrial Verses”, de Ali Asgari e Alireza Khatami; e “My Swiss Army”, de Luka Popadic.