RODRIGO FONSECA
Um dos filmes mais polêmicos da década passada, quando chocou plateias das mais variadas línguas com cenas de estupro e de cabeças esmagadas, “Irreversível” (2002), dirigido de trás pra frente pelo franco-argentino Gaspar Noé, vai ser projetado no Lido esta noite numa outra voltagem, ainda mais brutal. A atual versão do feérico longa-metragem, refeita por seu realizador, chama-se “Irréversible – Inversion Intégrale”. A sessão de estreia internacional da produção vai se dar na seara hors-concours do Festival de Veneza, que inaugurou sua programação esta manhã com “La Vérité”, de Hirokazu Koreeda. Fiel ao enredo original, o longa de Noé segue os passos de uma cabelereira na noite francesa após uma noitada com seu namorado violento e um bovino ex-amante. Monica Belluci, Vincent Cassel e Albert Dupontel integram o trio central.
“Chega de dizerem por aí que eu manipulo isso, que manipulo aquilo. Quero investir agora na narrativa onde o real aparece em seu estado bruto, para que ninguém possa me acusar de fazer trucagens, de ser sexista, do que for”, disse Noé ao Laboratório Pop em um encontro em Paris, uma semana antes de sua vinda para a América do Sul, no início deste ano. “Tem uma estética documental que vem ditando tendências na internet, em vídeos que carregam uma marca de expressão muito potente da juventude. É uma exceção num momento em que o cinema é dominado por produtos massificados que têm por objetivo gerar satisfação. Um cara que não se encaixa nessa medida de prazer, como eu, é visto como uma exceção torta. Preciso buscar meios de me expressar”.
O encontro parisiense com Noé se deu durante o 21º Rendez-vous Avec Le Cinéma Français (encontro anual promovido pela Unifrance, o órgão de difusão da produção audiovisual francófona no mundo), entre 17 e 21 de janeiro. Ali, numa mesa redonda, Noé abriu uma reflexão sobre as inquietudes da juventude, falando sobre o longa “Clímax” e sobre o início da remontagem de “Irreversível”. “Falar de jovens ainda é falar de excesso. Há uma radicalidade generalizada relativa ao culto à festa como socialização, ao consumo de drogas… O excesso é químico, eletrônico. Isso é global. O que há de diferente na juventude da França é que, entre nós, o cinema é um objeto de culto de todos, desde a mais tenra idade, o que transforma a cinefilia em uma prática juvenil, na busca da liberdade pelas vias da arte.

Da explosão de “Irreversível pra cá, ele filmou pouco, apostando mais em videoclipes e experimentos de música e dança, mas viu os poucos longas-metragens que rodou – “Viagem alucinante”, de 2009, e “Love, produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, em 2015 – tornarem-se objetos de debate… e de culto, por sua ousadia formal. “Clímax” vai pelo mesmo caminho. Doses fartas de sexo, sempre retratado em cenas tórridas, violência (física e verbal) e uma estética taquicárdica, no qual a câmera e a edição convulsionam: tem tudo isso nesta mistura de terror, música e filme catástrofe acompanha uma longa noite de loucura de um grupo de jovens que, durante uma festa, entram num transe paranoico regado a LSD.

“Mais do que o terror, existe um outro gênero, do qual sou fã, mas que anda há tempos sumido das telas, em ‘Clímax’: o ‘filme catástrofe’, estrutura narrativa de funciona bem como metáfora política. Lembra-se de ‘Terremoto’ ou de ‘Inferno na torre’, explica o diretor. “Eram filmes emblemáticos dessa tendência, fundamental para o cinema comercial dos anos 1970, no qual um grupo de burgueses, preso em uma situação de perigo ligado à natureza, eram postos à prova, numa cilada da sorte que uniformizava sua condição social privilegiado. Todo burguês é igual no medo. Tentei importar esse formato para um filme sobre jovens dançarinos. A moral do filme vem deles… de suas posturas em relação ao mundo”.

Nesta quinta, Veneza confere uma produção do brasileiro Rodrigo Teixeira: a viagem ao espaço “Ad Astra”, com Brad Pitt, que concorre ao Leão de Ouro.