RODRIGO FONSECA
Laureado com o Prêmio Especial do Júri do É Tudo Verdade por “Meu amigo Fela”, que abriu uma louvável trajetória internacional a partir de sua passagem pelo Festival de Roterdã, em janeiro, o diretor Joel Zito Araújo, um mineiro de Nanuque, reconhecido como um dos mais combativos documentaristas em atividade hoje no Brasil, tem uma aula de ética, misturada à estética, para dar nesta quinta-feira na Academia Brasileira de Letras. Com 31 anos de estrada nas telas, o realizador do premiado “Filhas do vento” (2004) foi convidado pela ABL para ministrar o colóquio “O Negro no Cinema Brasileiro”. A palestra dele encerra o ciclo “Vozes d’África na cultura brasileira”. A ABL, casa fundada por Machado de Assis, fica Av. Presidente Wilson, 203, Castelo, no Rio de Janeiro.
“Eu não conheço nenhum precedente de cineasta afro-brasileiro que tenha sido convidado pela ABL para expor sobre qualquer tema, especialmente este, ‘O Negro no Cinema Brasileiro’. Portanto, foi uma grata surpresa receber este convite, através do acadêmico Domício Proença Filho, o coordenador da atividade da Academia”, comemora Joel Zito, realizador do cult “A negação do Brasil” (2000). “É uma surpresa especialmente considerando que a ABL foi criada por um afro-brasileiro, um dos mais modernos eternos escritores brasileiros, Machado de Assis. Considerando que a ABL também tem, em uma sua história, um problema de representatividade de escritores negros, acredito que expor por que considero a indústria de cinema brasileiro um dos segmentos de mais baixa participação de profissionais negros na direção ou em papeis relevantes – portanto, um dos mais racistas – pode ser uma forma de dialogar com problemas que a ABL também tem de superar”.
Ainda inédito em circuito, “Meu amigo Fela” investiga o legado do músico nigeriano Fela Kuti (1938-1997), um caldeirão multicultural, fervido no calor das ideias de Malcolm X, da urgência de compreensão da identidade africana e da vontade de expressar as raízes de seu continente natal sem o jugo dos colonizadores brancos europeus. A revisão crítica da vida e da obra de Fela – construída a partir de uma jornada internacional do cineasta ao lado do escritor Carlos Moore, biógrafo do multinstrumentista por trás de LPs lendários do afrobeat como “Why black man dey suffer”, de 1971 – é uma das vertentes de uma filmografia iniciada por Joel Zito em 1988. Uma trajetória audiovisual com os olhos bem abertos para os exercícios de exclusão do mundo, mas com os pés fincados na realidade de intolerâncias do Brasil. Realidade que ele transforma ora em denúncia explícita (caso do longa “Cinderelas, lobos e um príncipe encantado”), ora em aulas de lirismo (como “São Paulo abraça Mandela”).
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