RODRIGO FONSECA
Às 23h30 do próximo dia 7, o “Domingo Maior” da Globo vai apelar para Keanu Reeves a fim de disputar atenções com a transmissão do Globo de Ouro, via TNT e HBO Max. Vai rolar tiro, muita pancada e bomba numa projeção de “John Wick: Um Novo Dia Para Matar” (2017). Sua bilheteria de US$ 174 milhões solidificou a franquia iniciada em 2014, que emplacou um suposto tomo final em 2023. Keanu esbanja carisma no papel de um assassino ferrabrás que se vê forçado a voltar à ativa para matar uma mafiosa.
Sempre dublado entre nós brasileiros pelo ótimo Reynaldo Buzzoni, sua voz oficial em língua portuguesa, Keanu criou um novo conceito de herói com Wick. Ele deu vida a uma figura solitária, de espírito grunge como os roqueiros da era Nirvana, de cabelo comprido desgrenhado (num estilo “quero ser Chanel”), abalado por alguma perda. Outros papéis dele eram assim. Aliás, há um forte eco disso em seu alter ego no quadrinho “BRZRKR”, do qual é argumentista e está já à venda nas bancas, pela Panini Comics.

Filmes imperdíveis dele como (o memorável) “Johnny Mnemonic, o Cyborg do Futuro” (1995) e “Reação em Cadeia” (1996) consagraram de vez esse seu estilo, até a chegada de Neo em “Matrix”, que uniu sua imagem à ficção científica, constituindo um dos maiores hits desse gênero. Mas, ainda assim, é um hit repleto de pontapés, como sci-fi algum fizera antes. Há um toque grunge até no ET Klaatu, vivido por ele no remake de “O Dia Em Que a Terra Parou”, em 2008.
Falta de ar é o primeiro sintoma que a saga “John Wick” carrega. O segundo, agendado pela Globo pro domingão, tem até Franco Nero no elenco. Mas todo mundo quer ver o mais recente, que já pode ser visto na Amazon Prime.
Feérico, “John Wick 4: Baba Yaga” provoca falta de ar ao dar um xeque-mate nas Leis da Gravidade e nos princípios da resistência óssea na Ortopedia. Tem adrenalina a litros. Sua montagem, assinada por Nathan Orloff, é um trem-bala, sem nenhuma gordurinha, sem o desperdício de um só segundo, desde sua abertura – com um justiçamento praticado nas areias do deserto – até um desfecho com pinta “Os Imperdoáveis” (1992). Visualmente, a fotografia de Dan Laustsen é de um requinte plástico singular, dosando bem a vivacidade nas cores até quando a direção abusa de chroma key e CGI (os cenários falsos preenchidos por efeitos visuais digitais).

Sua direção é assinada por Chad Stahelski, que coordenou a equipe de dublês de sucessos como “Os Mercenários 2” (2012) e “Wolverine: Imortal” (2013), e virou um cineasta autoral, na forma. Ele explora os fetiches arquitetônicos e paisagísticos de suas locações, Berlim e (sobretudo) Paris, construindo um jogo de gato e rato no qual Wick tenta se vingar de seus ex-patrões e ex-colegas de Cúpula, uma ordem política de matadores.
No percurso da vingança do (anti-)herói, ele cruza com o aristocrata chamado Marquês (Bill Skarsgård em tenebrosa atuação). O tal nobre resolve ajustar os erros da tal Cúpula, da qual é líder, contratando um antigo amigo de Wick, o artista marcial cego Caine (Donnie Yen, magistral em cena), para exterminá-lo. De quebra, ainda entra outro assassino, infalível no gatilho, o rastreador chamado Ninguém (Shamier Anderson, um poço de carisma), sempre acompanhado de um cão. Há uma sequência nos Arcos do Triunfo e uma numa escadaria que sequestram nosso fôlego sem aceitar resgate. Destaca-se ainda a atuação de Lance Reddick, que morreu no início do ano passado, no papel do concierge Charon.
“John Wick 4: Baba Yaga” é um dos grandes filmes de 2023. Merece um olhar atento.