Myrna Silveira Brandão
O cineasta Marcelo Gomes (do cultuado “Cinema, aspirina e Urubus”) está nesse momento no meio da selva amazônica fazendo pesquisa para um novo filme. Foi de lá que conversou com o LABORATÓRIO POP sobre seu último trabalho, “”Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar”, que acaba de ser selecionado para o Festival de Berlim (7 a 17.2).
Gomes estará na Berlinale pela terceira vez. Em 2016 integrou a mostra oficial competitiva com “Joaquim” e em 2014 como roteirista de “O Homem das multidões”, de Cao Hamburger, que tinha sido selecionado para a Panorama naquele ano. E é nessa mesma Panorama que “Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar” fará sua estreia mundial.
O filme vai fundo nas questões políticas e sociais por trás de acontecimentos passados em Toritama, pequena cidade de Pernambuco, conhecida como a capital do jeans e onde os trabalhadores da indústria têxtil só têm folga em sua pesada e perversa rotina quando chega o carnaval.
Gomes falou sobre a motivação para documentar fatos de Toritama, sobre as razões de sua abordagem recorrente de focar a dimensão humana dos personagens e o que representa esse retorno à Berlinale.
“Voltar a Berlim é fantástico. Primeiramente porque Berlim é um festival que se interessa por filmes de temática política e nosso filme quer refletir sobre o processo de industrialização esdrúxula do país e as fraturas sociais provocadas por uma política de neoliberalismo. Segundo, porque teremos uma visibilidade imensa e para nosso filme – com pouca verba de divulgação – isso é fundamental”, disse, expressando sua satisfação de estar na Panorama justo no ano em que ela chega à sua 40ª edição.
“Participar da Panorama no ano em que ela completa 40 anos é uma alegria especial. É a segunda vez que participo dessa mostra tão importante e que, historicamente, sinaliza obras que se preocupam com novas explorações da linguagem cinematográfica”.
O diretor contou que “Estou me guardando pra quando o carnaval chegar” foi todo rodado em Toritama, no agreste de Pernambuco.
“A cidade produz 20 % do jeans consumido no Brasil. Toritama viu duplicar a população em 10 anos, explodiu de forma desordenada, quase inumana. Os moradores trabalham das oito à meia-noite, quase todos os dias do ano, em condições de trabalho precárias. Nosso desejo é entender quem são as pessoas que estão por trás dessa nova ordem social”, ressaltou Gomes que, a exemplo de “Joaquim” – no qual buscou mostrar o homem por trás do mito Tiradentes – neste também procurou focar a dimensão humana dos trabalhadores daquela cidade.
“Num tempo implodido pela globalização e pela rendição às condições neoliberais do trabalho, o filme apresenta trabalhadores de classes sociais e vidas bem diferentes para refletir sobre como esses processos repentinos de crescimento econômico alteram a memória, o imaginário e a forma de pensar e viver e a vida daquelas pessoas”, explicou.
Para Gomes – cujas obras têm sempre uma grande identificação com os espectadores – a receptividade na Berlinale será um termômetro importante para a carreira do filme.
“Berlim é um festival aberto, com a presença crítica do público e assim poderemos ter um primeiro contato com uma camada diversa e sentir as primeiras reações ao filme”, ressaltou o talentoso cineasta, que concorrerá no festival ao prêmio da crítica internacional (FIPRESCI) e da audiência.