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Mario Marques

 

Era tarde. Cansado, eu acabara de chegar em casa e, ao ligar a TV, dei de cara com uns moleques fazendo canção no programa “Superstar”, da Globo. Vocês sabem como é difícil, no Brasil, fazer canção no rock diante da máxima de que rock é atitude. É também. Mas atitude sem música é coisa de criança. Pois os quatro meninos estavam ali, exibindo uma música cujo refrão não estava claro. Aliás, não se sabia onde ele estava. E, mesmo belíssima e esperta, pela óbvia falta de tutano, o pagodeiro Thiaguinho disse ter sentido “falta do refrão’. E a banda foi para repescagem.

 

O voto do Thiaguinho me deu uma certeza ainda maior: aquela banda daqueles moleques estava pronta para ser ouvida mais e mais. De que importa um refrão claro se a música é um lixo? E lá fui eu buscar suas canções na internet. Achei um monte delas, alinhadas, formatadas, lirismo puro, e passei a stalkear a banda no Rio até trazê-la ao escritório da Music Buzz, nossa empresa de agenciamento artístico, minha e do produtor Marcelo Reis, um amigo e parceiro de trabalho de mais de uma década.

 

Mandei um carro buscá-los no hotel, e, na repescagem, próximos de deixar o reality da Globo, eles não entendiam nosso interesse profundo. E, num primeiro momento, nem Marcelo Reis. Insistimos em contratá-los e passamos a acompanhar tudo de perto. Enfim, eles foram à final, tiraram terceiro lugar. Mas isso não importa: estávamos diante de uma banda pronta. uma banda de rock como há muito não se via no Brasil. Marcelo Reis ficaria apaixonado, com aquele brilho nos olhos que só meu sócio tem.

 

Apego-me a duas canções, especialmente: “Mente cheia” e “Verde mansidão”, “a canção sem refrão”. Entre 2004 e 2006 eu e Marcelo Reis conhecemos e botamos muito para tocar na noite do Rio 4 bandas cariocas que tinham essa alma: Som da Rua (da qual Marcelo foi empresário), Eletro, Columbia e Reverse (que também estava no reality da Globo, reagrupado para o programa). Em São Paulo tínhamos o belo Gram e o Ludov; no Sul, Wonkavision; e um monte de outras. Infelizmente a banda-canção, que seguia o modelo Los Hermanos, não vingou. E uma a uma, pouco a pouco, foi desistindo.

Precisamos desse hiato de quase 10 anos para reencontrar a escola da canção no rock.

O Versalle está pronto.

Eles são de Porto Velho, Rondônia, meio que colocaram o estado no mapa do Brasil como uma coisa fantástica, exuberante, fenomenal. Quatro rapazes humildes, roqueiros, talentosos, amigos e gratos que fizeram o estado parar para vê-los a cada programa. A cada classificação, uma catarse, aplausos, choros e emoção entre familiares, amigos e habitantes daquela parte remota de nosso país. A cada semana uma final de Copa do Mundo. Foi tão bonito e tão intenso que eles viraram os Beatles de Rondônia.

Sempre quando voltam são recebidos com aquela explosão amorosa dos fãs de grandes artistas.

Os Versalles Miguel (baixo), Igor (bateria), Criston (voz e guitarra) e Romulo (guitarra) não são só talentosos com grandes canções. Eles são bonzinhos, eles são humildes, falam baixo, ouvem e sabem se posicionar também. Isso é ótimo. Está tudo pronto. Digo, como produto e como ação.

Nesse momento os quatro estão em Porto Velho para uma série de três shows, mas voltam em seguida para terminar o disco de estreia, com produção do guitarrista André Valle e do também guitarrista e engenheiro de som Aurelio Kauffman, no estúdio Pássaro Hippie. André é meu amigo de infância, já nos xingamos e nos chutamos muitas vezes, mas temos aí mais de 30 anos de convivência e respeito. Um craque da guitarra, um gênio dos timbres, um sujeito capaz de inventar e reinventar. Kauffman é sua cara-metade. Os dois se entendem no olhar, capinam mato e entregam ouro. Kauffman é uma gentileza de pessoa e passa segurança para o povo. Essa dupla, que grava o disco dos meninos no Pássaro Hippie, estúdio no meio de uma floresta no Camorim, Zona Oeste do Rio, casou com o Versalle como noiva cheia de tesão. O resultado disso será um discaço, não tenho dúvida.

Em algum ano do fim dos 90 eu cobriria o Abril Pro Rock pelo “Globo’. Eu era um tarado por bandas novas, por artistas de canção. E quando os Hermanos desceram do palco eu tinha a certeza de que tinha algo na frente muito grande. Não foi fácil para eles, não. Na segunda música tacaram tomate e uma lata de cerveja no palco. E no fim, como magia, saíram aplaudidos. Eu os stalkeei também, dei matérias e matérias sobre os cuspes deles até assinarem com a Abril Music. E o resto da história vocês já conhecem.

O Versalle tem essa centelha: da canção, da novidade, do bom-mocismo, da disciplina, do posicionamento claro. E a felicidade em ter na Music Buzz sua música é para mim um grande motor, um grande reencontro com meu passado de crítico de música, mas também a certeza de um grande negócio que pode mudar a vida deles.

A vitória do Versalle num mercado dominado por sertanejos, funkeiros e axés vai representar um monte de banda-canção que ficou para trás, que desistiram diante do cenário medíocre por que passa o Brasil. Noutro dia ouvi de uma amiga da indústria que o rock acabou como produto. Não consigo acreditar nisso diante de um mundo de jovens ávidos por rock em todo o Brasil. Preciso acreditar na perserverança para mudar o quadro, na oportunidade e na sorte. Os Los Hermanos ganharam o Brasil misturando rock, samba-canção e teclados causando no início estranhamento gigante, no seio da Zona Sul do Rio. Por que o próximo sucesso do rock-canção não pode vir de Rondônia?

Luciano Vianna, nosso sócio da formação original da Music Buzz, e hoje voando solo com sua Ploc, lembra  bem como o rock pode mudar a vida das pessoas.