RODRIGO FONSECA
Hayao Miyazaki ficou longe dos longas-metragens por cerca de dez anos, depois de “Vidas ao Vento”, abrindo exceção apenas para fazer o curta-metragem “Boro the Caterpillar”, lançado no Japão pouco antes de a pandemia confinar o planeta. O estúdio Ghibli, do qual é patriarca, não parou nesse tempo, chegando a abrir um parque temático na Ásia. Mas a fome da cinefilia por desenhos animados do mais existencialista dos animadores, ganhador do Urso de Ouro de 2002 com “A Viagem de Chihiro” (também laureado com o Oscar, em 2003), nunca foi saciada nesse hiato. Por isso, a escolha de seu novo filme – “The Boy and the Heron” – para abrir a edição n°71 do Festival de San Sebastián representou um acerto e tanto nas escolhas do diretor artístico do evento, Jose Luis Rebordinos, representando ainda um ganho e tanto para a indústria audiovisual da Espanha. Os olhos do mundo todo se voltam para a maratona exibidora ibérica. E com razão. É um filme colossal sobre a arte da perda.
Aos 82 anos, Miyazaki regressa com o que promete ser seu filme de maior faturamento comercial e uma promessa para a estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que o adora. O cineasta aposta na melancolia ao falar sobre a aceitação da finitude e a superação do luto. Apesar do assunto ser essencialmente tenebroso, ele o trata com leveza, apoiado numa direção de arte muito colorida. Seu protagonista, o menino Mahito, muda-se para o interior do Japão, no fim dos anos 1930, após a perda de sua mãe, e lá é assombrado por uma garça falante que o arrasta para uma espécie de limbo. Pelicanos selvagens e uma horda de periquitos atacam o rapaz, que precisa aprender a se deixar amar para amadurecer. Vinda de um artista que criou seres antológicos como Totoro, a tal garça há de se firmar no imaginário pop.

A natureza acossa o guri Mahito no longa de Hayao Miyazaki, exibido no abre-alas de Donostia

Apesar de uma chuva chatonilda e fria, que insiste em gotejar todo o dia, San Sebastián vive um dia de festa. A orla está lotada. É nesse ambiente, de praia, famoso pelos pintxos (iguarias que combinam rodelas de pão com mariscos, crustáceos, queijos e presunto) que a aclamada realizadora francesa Claire Denis (de “Com Amor e Fúria”) vai assumir a presidência do júri.
Ao lado de Claire estarão a atriz chinesa Fan Bingbing; a produtora e diretora colombiana Cristina Gallego; a também francesa Brigitte Lacombe, fotógrafa; o produtor húngaro Robert Lantos; a estrela espanhola Vicky Luengo; e o diretor nº 1 da Alemanha, Christian Petzold, que vai exibir lá o festejado “Afire”, ganhador do Grande Prêmio do Júri da Berlinale, em fevereiro. Essa plêiade de artistas tem 16 longas-metragens para avaliar.

Estão em concurso: “All Dirt Roads Taste of Salt”, de Raven Jackson (EUA); “A Journey in Spring”, de Tzu-Hui Peng e Ping-Wen Wang (Taiwan); “Un amor”, de Isabel Coixet (Espanha); “Ex-Husbands”, de Noah Pritzker (EUA); “Fingernails”, de Christos Nikou (EUA); “Great Absence”, de Kei Chika-Ura (Japão), “Kalak”, de Isabella Eklöf     (Dinamarca); “MMXX”, de Cristi Puiu (Romênia); “Puan”, de María Alché e Benjamín Naishtat (Argentina); “La Práctica”, de Martín Rejtman (Argentina), “L’Ile Rouge”, de Robin Campillo (França); “The Royal Green”, de Kitty Green (Austrália); “O Corno”, de Jaione Camborda  (Espanha/ Portugal); “Un Silence”, de Joachim Lafosse (Bélgica); “Le Successeur”, de Xavier Legrand (França); e “El Sueño de la Sultana”, de Isabel Herguera (Espanha). O Brasil não tem protagonista na caça à Concha, mas terá dois títulos na mostra competitiva Horizontes Latinos: “Pedágio”, de Carolina Markowicz, e “Estranho Caminho”, de Guto Parente.

O pianista Tenório Jr. na animação que vai inaugurar o Festival do Rio. no dia 5 de outubro

Inclua entre os atuais laços de San Sebastián com a brasilidade a animação “Atiraram no Pianista” (“They Shot the Piano Player”, novo longa do oscarizado cineasta Fernando Trueba (de “Quero Dizer Que Te Amo”) e seu parceiro de desenhos Javier Mariscal. A trama fala sobre o sumiço do pianista Tenório Jr. (1941-1976) em meio à ditadura argentina. Vai ser o longa de abertura do Festival do Rio 2023, que começa no dia 5 de outubro. Ferreira Gullar, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e João Donato dão depoimento no longa, que traz Tony Ramos em seu elenco de vozes, sendo que o personagem principal ganha o gogó de Jeff Goldblum.
Vale lembrar que o cinema brasileiro só ganhou a Concha de Ouro uma vez, em sete décadas, com o thriller “Pacificado”, de Paxton Winters, ambientado no Morro dos Prazeres. É possível vê-lo na plataforma Star +.