Rodrigo Fonseca
Responsável por um dos filmes mais adorados pelo público brasileiro entre os lançamentos de 2019, o melodrama “Cafarnaum”, a diretora e a atriz libanesa Nadine Labaki vai presidir o júri da mostra Un Certain Regard do 72º Festival de Cannes (14 a 25 de maio), que anuncia em meados de abril suas atrações. O time de jurados que se responsabiliza pela Palma de Ouro será presidido pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, mas a competição que fica a cargo de Nadine vem crescendo em (boa) reputação a cada ano. Aos 45 anos, a realizadora anda levando a poética audiovisual de seu país, o Líbano, para os rincões mais pop da indústria do cinema. Seu “Capharnaüm” foi indicado ao Oscar e ao Globo dourado de melhor filme estrangeiro, impressionando plateias com a saga de um menino que processa os próprio pais. O longa-metragem esteve em Cannes em 2018, de onde saiu com o Prêmio Especial do Júri.

“Filmar com crianças é um processo que depende de uma química de olhar. Você pode testar cem, mil crianças. Mas vai ter uma só que carrega nos olhos a fúria de que você precisa. É dali que virá a verdade”, disse Nadine ao Lab Pop, em Cannes, em maio, pouco antes de ser premiada. “A ideia de ‘Cafarnaum’ é retratar nossa incerteza em relação ao futuro a partir de um personagem que faz de tudo para perseverar num mundo de imigrantes, de gente pobre, de desvalidos”.

Um dos maiores sucessos do Festival do Rio, em outubro, “Cafarnaum” foi rodado nas ruas de Beirute ao custo de US$ 4 milhões. Respeitada na Europa por cults como “E agora onde vamos” (2011) e “Caramelo” (2007), Nadine combina (com harmonia) diferentes gêneros e sentimentos em seu novo longa-metragem, tendo o pequeno Zain Al Rafeea como protagonista, vivendo um personagem com seu nome. A trama estrelada pelo garoto começa como thriller de tribunal, vira folhetim, muda para a aventura, cai no trágico e dá uma guinada para uma reflexão social de tônus geololítico. No enredo, Zain é um menino com cerca de 12 anos (ele não sabe sua idade com precisão), preso por esfaquear alguém (quem é? só saberemos lá pelo fim). Ele leva seus pais (relapsos e violentos) à Justiça. O motivo: ele quer processar o casal por ter dado a vida a ele e não ter se esforçado em zelar por seu bem e amá-lo. Abusado, corajoso, enraivecido, Zain sai de casa, tenta a sorte em todas formas de trabalho e acaba tendo que cuidar de um bebê etíope. O neném e ele juntos arrancam risos, suspiros e choro onde quer que o filme passa.

“Não é fácil filmar ficção no Líbano, o que exige muita responsabilidade de quem consegue um set para dirigir. Eu aposto na sinceridade para travar uma relação direta com minha plateia, que, neste filme, está diante de uma narrativa sobre alienação parental”, disse a cineasta. “Eu trabalhei com meu diretor de fotografia a partir de um critério de total atenção à liberdade do meu elenco mirim. Não podia confinar as crianças à minha necessidade. Eles tinham que estar livres. Minha câmera ia atrás”.

Estima-se que “Rocketman”, a cinebiografia de Elton John, com Taron Egerton no papel central, vá abrir Cannes. A outra opção de abertura é “Les plus belles années d’une vie”, de Claude Lelouch.