Rodrigo Fonseca
Rivais nos gramados, Brasil e Argentina também engataram um Fla x Flu nos campos do audiovisual, disputando a fama de quem escreve roteiro melhor desde o dia em que “O filho da noiva”, de Juan José Campanella, pousou por aqui, em 2002 – porém o Uruguai nada tem a ver com essa briga. Muito se vê dos argentinos por aqui (de Lucrecia Martel a comédias bem grelhadas como “O cidadão ilustre”), mas quase nada recebemos da produção uruguaia, que se difere de seus hermanos das terras de Maradona por um cinema menos refém da palavra, de maior voltagem contemplativa e de personagens menos arquetípicos, com mais dubiedade moral. Essas três características ditam o tom autoral da filmografia ainda jovem, porém de um vigor narrativo invejável do diretor Alvaro Brechner, conhecido por aqui pelo agridoce “Sr. Kaplan” (2014), e agora promovido ao panteão da fama diante do sucesso mundial de seu recém-chegado “Uma noite de 12 anos”. Neste domingo, esse filmaço vai disputar o troféu Platino, o Oscar da Latinidade, a ser entregue no Teatro Gran Tlachco de Xcaret, na Riviera Maya (México). Cada ano, a premiação ocorre num canto do continente ou da Espanha: já foi em Madri, já foi em Punta Del Este. O primoroso trabalho de Brechner, lançado no Brasil com enorme sucesso de crítica e público em 2018, está indicado em seis categorias no Platino, incluindo os prêmios de melhor filme e diretor.
Há tensão, há reflexão política, há uma desconstrução nada desrespeitosa de um mito real (Pepe Mujica) e há um senso (inteligentíssimo) de analogia entre a realidade do Uruguai nos anos 1970 e as demais crises democráticas da América do Sul em um tempo de regime militar no continente. Mas há, no leme dessa embarcação histórica, um debate sobre lealdade: o tema nº1 de Brechner desde sua estreia na ficção, em 2009, com “Mau dia para pescar”.
Sensação da mostra Horizontes do Festival de Veneza, muito bem cotado ao prêmio principal da seção Horizontes Latinos do Festival de San Sebastián, que termina amanhã, na Espanha, “Uma noite de 12 anos” estabelece, na História do Cinema, uma parentela indireta com nosso “Memórias do carece” (1984). Tal qual o genial épico de Nelson Pereira dos Santos, a noção de heroísmo aqui também se estabelece em torno da preservação de ideologias políticas em meio ao claustro, à tortura. Lá, tínhamos Graciliano Ramos. No filmaço de Brechner, temos um trio formado pelo escritor Mauricio Rosencof (Chino Darín, filho de Ricardo, em seu trabalho mais tocante), (o futuro senador) Eleuterio Huidobro (Alfonso Tort) e um certo Mujica (Antonio de la Torre, ator espanhol querido por Almodóvar, notável na economia de recursos dramáticos). O tônus poético do longa-metragem de Brechner vem das estratégias travadas por esses três numa batalha interna para não sucumbirem à loucura ou mesmo ao suicídio.
O humor sutil, mas necessário de Mauricio, areja o clima de tensão do ambiente onde eles são submetidos à solitária, num empenho dos militares para alquebrar a alma de seus opositores. Mujica entra em cena de maneira discreta, sem que seu nome e a memória que temos de seus feitos no mundo real ofusquem o personagem em formação que Brechner nos apresenta. Não estamos diante de uma cinebiografia clássica. Antonio de la Torre não nos entrega “o” Mujica e, sim, “um” Mujica: o seu, silencioso, observador, gregário. Na retidão que preserva mesmo no ápice da brutalidade constrói o líder que ele virá a ser. E Brechner acentua o renascer dessa fênix latina construindo uma linguagem claustrofóbica, amplificada pela fotografia árida de Carlos Catalan. Esta se enamora pelo quarto e mais volumoso protagonismo deste recorte da tragédia política das América: a solidão, cantada aqui numa releitura do hit “The sound of silence”, feita por Silvia Pérez Cruz. Gol de placa do Uruguai.
Ah…
Caso tenha rolado curiosidade acerca dos demais concorrentes aos Platino (“O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, está lá), eis aqui a lista dos indicados:
Mejor Película Iberoamericana de Ficción
· Campeones, de Javier Fesser. Películas Pendeltón, S.A., Morena Films, S.L., Telefónica Audiovisual, S.L., Rey de Babia A.I.E., Corporación de Radio Televisión Española, S.A.U. (España).
· La Noche de 12 años, de Alvaro Brechner. Tornasol, Alcaravan Films, A.I.E, Haddock Films, Aleph Media, Manny Films, Salado (España, Francia, Argentina, Uruguay).
· Pájaros de Verano, de Cristina Gallego y Ciro Guerra. Ciudad Lunar Producciones, Blond Indian Films (Colombia, México, Dinamarca, Francia).
· Roma, de Alfonso Cuarón. Espectáculos Fílmicos El Coyul (México).
Mejor Dirección
· Alfonso Cuarón, por Roma.
· Alvaro Brechner, por La Noche de 12 años.
· Cristina Gallego y Ciro Guerra, por Pájaros de Verano.
· Javier Fesser, por Campeones.
Mejor Guión
· Alfonso Cuarón, por Roma.
· Alvaro Brechner, por La Noche de 12 años.
· David Marqués y Javier Fesser, por Campeones.
· Marcelo Martinessi, por Las Herederas.
Mejor Música Original
· Alberto Iglesias, por Yuli.
· Chico Buarque y Edu Lobo, por O Grande Circo Místico.
· Federico Jusid, por La Noche de 12 años.
· Oliver Arson, por El Reino.
Mejor Interpretación Masculina
· Antonio de la Torre, por El Reino.
· Javier Bardem, por Todos lo Saben.
· Javier Gutiérrez; por Campeones.
· Lorenzo Ferro, por El Ángel.
Mejor Interpretación Femenina
· Ana Brun, por Las Herederas.
· Marina de Tavira, por Roma.
· Penélope Cruz, por Todos lo Saben.
· Yalitza Aparicio, por Roma.
Mejor Película de Animación
· La Casa Lobo, de Joaquín Caciña y Cristóbal León. Diluvio, Globo Rojo Producciones (Chile).
· Memorias de un hombre en pijama, de Carlos Fernández de Vigo. Dream Team Concept, S.L., Hampa Studio, S.L., Ézaro Films(España).
· Un días más con vida, de Raúl de la Fuente y Damián Nenow. Kanaki Films, S.L., Platige Films, Walking the Dog BVBA, Wuste Films, AnimationsFabrik, Arena Comunicación Audiovisual (España, Alemania, Bélgica, Polonia).
· Virus Tropical, de Santiago Caicedo. Timbo Studio, S.A.S. (Colombia).
Mejor Película Documental
· Camarón. Flamenco y Revolución, de Alexis Morante. Mediaevents Servicios Integrados, S.L., Lolita Producciones Cinematográficas, S.L., Canal Sur TV, S.A. (España).
· El silencio de otros, de Robert Bahar y Almudena Carracedo. Semilla Verde Producctions, LTD, Lucernan Films, S.L. (España, EEUU).
· La libertad del diablo, de Everardo González. Artegios S.A. DE CV, Animal de Luz Films (México).
· Yo no me llamo Rubén Blades, de Abner Benaim. Apertura Films, Gema Films, Ciudad Lunar Producciones (Panamá, Argentina, Colombia).
Mejor Ópera Prima de Ficción Iberoamericana
· Carmen y Lola, de Arantxa Echevarría. TVTEC Servicios Audiovisuales, S.L. (España).
· La Familia, de Gustavo Rondón Córdova. La Pandilla Producciones, Películas Prescindibles, Factor RH Producciones (Venezuela, Chile, Noruega).
· Las Herederas, de Marcelo Martinessi. La Babosa Cine, S.A., Pandora Film Produktion, La Fábrica Nocturna Production, Mutante Cine, S.R.L., Esquina Filmes, Norsk Filmproduksjon (Paraguay, Alemania, Uruguay, Brasil, Francia, Noruega).
· Viaje al Cuarto de una Madre, de Celia Rico Clavellino. Arcadia Motion Pictures, Sisfo Films, Amoros Producciones, Noodles Productions, Pecado Films (España).
Mejor Dirección de Montaje
· Alberto Del Campo, por El Reino.
· Alfonso Cuarón y Adam Gough, por Roma.
· Guillermo Gatti, por El Ángel.
· Miguel Schverdfinger, por Pájaros de Verano.
Mejor Dirección de Arte
· Angélica Perea, por Pájaros de Verano.
· Artur Pinheiro, por O Grande Circo Místico.
· Benjamín Fernández, por El Hombre que mató a Don Quijote.
· Eugenio Caballero, por Roma.
Mejor Dirección de Fotografía
· Alfonso Cuarón, por Roma.
· Carlos Catalán, por La Noche de 12 años.
· David Gallego, por Pájaros de Verano.
· Luis Armando Arteaga, por Las Herederas.
Mejor Dirección de Sonido
· Carlos E. García, por Pájaros de Verano.
· José Luis Díaz, por El Ángel.
· Roberto Fernández y Alfonso Raposo, por El Reino.
· Sergio Díaz, Skip Lievsay, Craig Henighan y José Antonio García, por Roma.
Premio PLATINO al Cine y Educación en Valores
· Campeones, de Javier Fesser. Películas Pendeltón, S.A., Morena Films, S.L., Telefónica Audiovisual, S.L., Rey de Babia A.I.E., Corporación de Radio Televisión Española, S.A.U. (España).
· Carmen y Lola, de Arantxa Echevarría. TVTEC Servicios Audiovisuales, S.L. (España).
· La Noche de 12 años, de Alvaro Brechner. Tornasol, Alcaravan Films, A.I.E., Haddock Films, Aleph Media, Manny Films, Salado (España, Francia, Argentina, Uruguay).
· Las Herederas, de Marcelo Martinessi. La Babosa Cine, S.A., Pandora Film Produktion, La Fábrica Nocturna Production, Mutante Cine, S.R.L., Esquina Filmes, Norsk Filmproduksjon (Paraguay, Alemania, Uruguay, Brasil, Francia, Noruega).
Mejor Miniserie o Teleserie Cinematográfica Iberoamericana
· Arde Madrid, de Paco León. Andy Joke, S.L., Movistar+ (España).
· El Marginal II, de Luis Ortega, Mariano Ardanaz, Javier Perez, Javier Pérez, Alejandro Ciancio e Israel Adrián Caetano. Underground Contenidos y Televisión Pública Argentina para Netflix (Argentina).
· La Casa de las Flores, de Manolo Caro. Noc Noc Cinema para Netflix. (México).
· Narcos: México, de Josef Kubota Wiadyka, Andrés Baiz, Amat Escalante y Alonso Ruizpalacios. Gaumont Televisión para Netflix (México).
Mejor Interpretación Masculina en Miniserie o Teleserie
· Diego Boneta, por Luis Miguel: La Serie.
· Diego Luna, por Narcos: México.
· Javier Rey, por Fariña.
· Nicolás Furtado, por El Marginal II.
Mejor Interpretación Femenina en Miniserie o Teleserie
· Anna Castillo, por Arde Madrid.
· Cecilia Suárez, por La Casa de las Flores.
· Inma Cuesta, por Arde Madrid.
· Najwa Nimri, por Vis a Vis.
p.s.: No dia 16 de maio, estreia na Argentina… e no Brasil… um dos títulos latinos mais esperados de 2019: “A Grande Dama do Cinema” (“El Cuento de las Comadrejas”), o novo trabalho autoral de Juan José Campanella, realizador de “Clube da Lua” (2004). A sinopse usada pelo realizador de “O segredo dos seus olhos” (2009) ficou assim: Mara Ordaz (papel de Graciela Borges) é uma antiga estrela do cinema que firma uma amizade improvável com um ator nos últimos anos de vida, um roteirista frustrado e um diretor das antigas para preservar o universo lúdico que criaram dentro de uma mansão clássica utilizada nos seus filmes da era de ouro; no entanto, dois jovens chegam ao local querendo comprar o espaço e podem colocar tudo a perder, mas os artistas não entregarão seu legado sem antes tomar algumas medidas drásticas. Suas filmagens ocorreram em Domselaar, uma cidadezinha de 2,4 mil habitantes, a leste de Buenos Aires. Desde 2013, sua criatividade estava estacionada na garagem das emissoras de televisão dos Estados Unidos. Seu cacife por lá subiu por conta de um projeto pessoal iniciado há dez anos, cravados no calendário cinematográfico argentino. Em 2008, ele iniciou as filmagens de um thriller de tom político que imortalizaria seu nome no imaginário de seu país, e no de Hollywood, pelo brilho do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro que repousa em sua estante: “O segredo dos seus olhos”, conquistado em 2010. De lá para cá, ele seguiu a vida nos EUA, onde trabalha desde 1988. Passou quase a década toda rodando episódios para séries de TV (como as recentes “Colony” e “Halt and Catch Fire”), tendo dirigido só mais um filme: a animação “Um time show de bola” (2013). Desde então, nada de longas inéditos… até agora