RODRIGO FONSECA
Diretor mais premiado da pátria de Akira Kurosawa nos últimos 25 anos, Hirokazu Kore-Eda teve a incumbência de abrir a seleção competitiva pela Palma de Ouro de 2023 e exercitou a função com o máximo de graça – e de eficácia – a julgar pela calorosa acolhida a seu “Monster”. É seu filme mais ousado, em termos formais, da escrita do roteiro ao rigor em sua espledorosa fotografia. Já há quem aposte num prêmio para o cineasta japonês, laureado com a Palma de 2018, por “Assunto de Família”.

“Um dos primeiros trabalhos da minha carreira foi fazer uma série de retratos do cotidiano de famílias japonesas para um programa de TV. Ali foi a minha escola. Foi onde aprendi a me interessar pelas inquietações mais corriqueiras do dia a dia, valorizando os perfis mais diferenciados das pessoas que ouvia. Foi uma aula de respeito ao próximo”, disse Kore-Eda ao Laboratório Pop em Cannes.

O realizador japonês Hirokazu Kore-Eda

Folhetins são a essência de Kore-Eda, embora os seus sejam menos coloridos do que qualquer melodrama de Almodóvar, François Ozon ou Arnaud Desplechin. Seu novo longa, batizado na Ásia de “Kaibutsu” e de “Monster”, em pátrias ocidentais, é um estudo sobre o universo da juventude, narrando os conflitos de um menino sob diferentes óticas. Na trama, uma mãe (papel de uma inspirada Sakura Ando) chega desesperada em uma escola a fim de entender a responsabilidade de um professor na mudança súbita de comportamento de seu filho, que anda tendo surtos de agressividade. Há um inquérito de pontos de vista, sempre calcados em sentimentos engasgados, o que é um marco da obra do realizador de “Pais e Filhos”, cult laureado com Prêmio do Júri de 2013. Inclua no pacote as mágoas de uma diretora de escolha, uma paixão homoafetiva que não ousa se expressar e um desastre natural (no caso, uma tormenta) iminente. O mais impressionante: todos esses vértices acham um lugar preciso na fina geometria de Kore-Eda.

Há um ano, ele concorreu em Cannes com o belíssimo “Broker: Uma Nova Chance” (2012), já em cartaz em telas nacionais. Ganhou com essa joia o Prêmio do Júri Ecumênico, dado à sua estética empática.
Esta tarde, Cannes vai conferir o único .doc em concurso na seleção deste ano de candidatos à Palma de Ouro: o novo filme do chinês Wang Bing “Jeunesse (Le Printemps)”. Também se trata de uma investigação sobre ser jovem. No caso, seu foco é a nova geração de operários da indústria têxtil da cidade de Zhili, a 150 km de Xangai.
Cannes segue até o dia 27 de fevereiro, quando o diretor sueco Ruben Östlund, presidente do júri, anunca os ganhadores.

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