Rodrigo Fonseca
Tá cheio de coisa quente rolando na vida cultural austríaca, em relação a eventos ligados ao cinema em Viena. Tem exposição de fotos de Wim Wenders no Film Archiv Austria. Rolou um show de David Duchovny, o eterno Fox Mulder, de “Arquivo X”, na Arena Wiene. Mas o foco da cidade está em um dos indicados à estatueta dourada da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: “Green Book – O guia”. Foi dele o prêmio do júri popular do Festival de Toronto. Sua bilheteria já beira US$ 110 milhões. E, se depender dos pagantes vienenses, essas cifras hão de aumentar. O que dizer de bom sobre o filme? Bom… para analisa-lo, vale olhar para o passado. Cronista gráfico do american way of life, Norman Percevel Rockwell (1894-1978), pintor que eternizou a imagem feliz dos EUA, é a chave para o entendimento deste lúdico road movie de US$ 23 milhões, coroado com cinco merecidas indicações ao Oscar. Rockwell deu à posteridade um verniz de América: gente branca feliz, empapuçando-se de milkshakes e tortas. É na direção oposta desse retrato míope de si mesmo que a obra do diretor Peter Farrelly sempre operou. Em sucessos como “Debi & Lóide” (1994) ou cults como “Kingpin” (1996), ele e o irmão caçula Bobby desenvolveram uma estética on the road de negação da prosperidade inata a seu povo. Na maturidade de seu olhar para um país moralmente esgotado, Peter radicalizou, trilhando uma linha crítica pela vai do açúcar, não do azedume: “Green book” é um filme de proposição, de assopro na ferida fresca do racismo. É uma evocação de Frank Capra (1897-1991), um diretor que, diferentemente de Rockwell, filmava o sorriso da América, sem negar suas cáries, em clássicos como “A felicidade não se compra”. Filmando com secura, Farrelly faz do pianista negro Shirley (Mahreshala Ali, cada vez mais inspirado) e do motorista brucutu Tony (Viggo Mortensen, sublime) dois heróis à la Capra, num filme sobre alianças