Rodrigo Fonseca
Com cerca de 750 mil ingressos vendidos nas bilheterias da França, seu país de origem, “Os irmãos Sisters”, um inusitado passeio do cinema europeu pelas veredas do western, ainda não passou pelo circuito brasileiro, porém ganhou enorme visibilidade no Velho Mundo, mais do que recentes incursões dos Estados Unidos ao mais hollywoodiano dos gêneros cinematográficos. Semana que vem, chega aos cinemas da Dinamarca. Já em sua primeira vitrine, o Festival de Veneza, o longa-metragem do aclamado cineasta parisiense Jacques Audiard (ganhador da Palma de Ouro de Cannes por “Dheepan: O refúgio”, em 2015) foi coroado com o Leão de Prata de melhor direção. No último fim de semana, a produção ganhou o troféu César (o Oscar francês) em quatro categorias: melhor fotografia, som, direção de arte e mais uma láurea para o método Audiard de filmar. Baseado em romance de Patrick de Witt, o bangue-bangue traz John C. Reilly e Joaquin Phoenix numa relação de fraternidade e fúria.
“Desassossego é o que move a dramaturgia. Fiz isso em espaços fechados. Mas é bom saber como os corpos carregam suas inquietações em trânsito por outros ambientes”, disse Audiard ao Laboratório Pop, quando adquiriu os direitos de adaptar a prosa de De Witt, propondo uma revisão apaixonada da cartilha do Oeste, impecável, em especial, nas cenas de ação.
“The Sisters brothers” (título original) joga seu holofotes mais poéticos sobre C. Reilly. Um eterno coadjuvante, celebrado em filmes como “Magnólia” (1999) e “Chicago” (2002), ele rouba a cena de Phoenix. Eles vivem os pistoleiros Eli e Charlie Sisters, maus, infalíveis de mira, mas em vias de mudanças, morais e afetivas. “Quanto mais velho a gente vai ficando, mais valorosa é a simplicidade”, disse John C. Reilly em Cannes, meses antes de o longa de Audiard ficar pronto. “O que existe de mais simples na arte de fazer filmes é saber valorizar as boas parcerias, os encontros”.
Sob essa lógica, a química entre Reilly e Joaquin é perfeita, sob a batuta do realizador de blockbusters da França, como “Ferrugem e osso” (2012) e “O profeta”, indicado ao Oscar em 2010. Na trama do far-west, os Sisters, caçadores de recompensa temidos, vão atrás de um garimpeiro (Riz Ahmed) que inventou uma fórmula para prospectar ouro nos rios. Mas o caminho até ele vai ser regado a chumbo. “Gosto de explorar o destino de figuras que quebram as convenções do arquétipo de herói pela sua fragilidade”, disse Phoenix no início das filmagens do longa de Audiard.
Neste caso, o desafio de Phoenix e de Reilly foi vencido com facilidade: os manos Sisters são caubóis à altura da tradição dos grandes heróis de John Wayne, Gary Cooper e Clint Eastwood: impávidos, mas cheios de conflito. A cena em que Eli (Reilly) se deslumbra com a experiência de escovar o dente pela primeira vez na vida – não se esqueça de que a trama se passa no século XIX, quando hábitos de higiene são um luxo – foi um dos momentos mais lúdicos vividos no Lido neste ano repleto de fortes concorrentes ao Leão de Ouro.
Essa linha afetiva de se fazer faroeste parece ter contagiado Hollywood, como se vê no recente “The Kid”. O longa-metragem de estreia do ator Vincent D’Onofrio (da série “Lei & ordem: Crimes premeditados”) como realizador é centrado nos feitos do xerife Pat Garrett (Ethan Hawke) e do pistoleiro Billy The Kid (Dane DeHaan). Tal qual “Os irmãos Sisters”, ele é mais apoiado em jornadas de redenção do que em duelos ao sol.