RODRIGO FONSECA
Cansaço físico é um sintoma da fase outonal em que o diretor malaio radicado em Taiwan Tsai Ming-liang confessa estar, aos 65 anos de uma vida devotada à arte de filmar.
“Pessoas velhas têm pensamentos joviais. Sei que não seria mais capaz de fazer hoje muitos dos filmes que rodei no passado. Aliás, ao voltar a eles, fico surpreso ao perceber quanta força eu tinha. Mas existem ainda caminhos que eu posso seguir para me expressar com liberdade. Filmar é uma questão de escolha. Sempre. Isso não pressupõe idade”, diz Tsai em entrevista ao Lab Pop n Festival de Locarno, na Suíça, onde veio receber um tributo pelo conjunto de sua obra: o troféu Pardo Alla Carriera.

Premiado mundialmente por filmes como “O Sabor da Melancia”, o diretor Tsai Ming-liang ganha a láurea Pardo alla Carriera, o troféu honorário de Locarno – Fotos: Rodrigo Fonseca

Após uma série de telefilmes feitos no fim da década de 1980, Tsai partiu para a direção de longas-metragens feitos para sala de projeção a partir de 1992, com “Rebeldes do Deus Neon”, que lhe deu cinco prêmios em mostras em Turim, Nantes e Tóquio.
“A expressão artística que eu entendo como sendo ‘cinema’ só pode ser fruída em uma tela grande, embora eu saiba que existam outros suportes. A partir de 2017, eu passei a me expressar por meio de VR, ou seja, Realidade Virtual, um modelo de captação de imagens que não me permite fazer closes e outras conjugações dos verbos cinemaográficos, mas me permite outras… e novas… experiências”, diz Tsai, que se consagrou como realizador depois de seu “Vive L’Amour” ter conquistado o Leão de Ouro de Veneza, em 1994. Desde então, o número de láureas em seu currículo, que inclui muita videoarte, só fez crescer, arranhando a marca de 70 troféus. Un de seus trabalhos mais recentes ganhou o Teddy, a mais famosa láurea LGBTQIA+ das telas, dada a ele na Berlinale de 2020, por “Days”.
“Foi um filme de baixo orçamento, equipe bem pequena, que mostra o sexo como uma forma de analgésico para a solidão de um homem já em tempo de velhice. Acho que a minha chegada aos 60 me deu a curiosidade de entender o que muda no meu corpo”, diz o diretor, fã assumido do cinema de François Truffaut e da Nova Vaga Alemã.

Cena de “Days”, que ganhou menção do troféu germânico Teddy em 2020

Esta noite, Locarno vai projetar “Days”, uma trama centrada na relação de um homem solitário (Lee Kang-sheng, o muso de Tsai, astro recorrente de seus filmes) com um michê (Anong Houngheuangsy).
“Preparo o projeto de um novo longa nesses mesmos moldes de liberdade”, anuncia o cineasta. “Quero desindutralizar o cinema. Quero fazer um filme ‘desindustrial’ para as telas”.
Em paralelo a entrega do Leopardo de Honra de Locarno, Tsai aproveita sua passagem por lá para inaugurar uma exposição na galeria Rivellino, exibindo exercícios nas artes visuais como “Transformation” (2012), “Ni de Lian – Your Face” (2018) e “The Tree” (2021).
“Tenho percebido que muitos museus abriram salas de cinema em suas instalações, o que demonstra o fato de essas instituições se referirem a filmes como construções de memória a serem preservadas”, diz o cineasta. “Tenho feito experiências visuais para galerias que valorizem a produção de sentido da imagem”.
Locarno segue até 12 de agosto, quando o júri presidido pelo ator e cantor francês Lambert Wilson anuncia os filmes premiados desta edição. Até o momento, “Manga d’Terra”, do diretor luso-suíço Basil da Cunha, desponta como favorito.