Cannes, Cinema

Payal Kapadia dá voz à Índia da sororidade

Diretora de Mumbai concorre ao Globo de Ouro e está na mira do Bafta

Por Rodrigo Fonseca

RODRIGO FONSECA
Em meio à celebração brasileira pela inclusão de “Ainda Estou Aqui” na pré-lista de potenciais indicados ao Bafta (o Oscar britânico), o maior rival de Walter Salles na corrida pelo Globo de Ouro de 2025 (a ser entregue neste domingo) aparece em três categorias da láurea inglesa: “Tudo Que Imaginamos Como Luz” (“All We Imagine As Light”). A divulgação feita nesta sexta-feira, 3 de janeiro, é a rodada inicial de pré-seleção, pois seus votantes têm até o próximo dia 10 para finalizar suas escolhas. As indicações oficiais serão anunciadas no dia 15, em uma transmissão ao vivo no YouTube. As/os ganhadoras/es serão anunciadas/os em 16 de fevereiro, no Royal Festival Hall do Southbank Centre, em Londres. Estima-se que a realizadora da pérola cinematográfica da Índia, Payal Kapadia, vá figurar na lista de vitórias. Ela disputa o Golden Globe de Melhor Direção pelo longa, que segue em cartaz em telas cariocas, com sessões às 20h55, no Estação NET Rio.
Ao receber o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, em maio, com esse drama sobre sororidades, Payal quebrou muitos tabus de sua pátria, sobretudo os que interditam a equidade de gêneros no mercado de trabalho (até na arte) e insistem em estorvar o empoderamento feminino. Egressa de Mumbai, ela nasceu em 1986. Aos 38 anos, devota-se à direção de .docs e de ficções. Fez fama com os curtas-metragens “Afternoon Clouds” (2017) e “And What Is the Summer Saying” (2018), nos quais pavimentou conscientemente caminhos que a diferem do audiovisual de sua terra natal. O maior artesão autoral de seu país foi Satyajit Ray (1921-1992), ganhador do Urso de Ouro de Berlim (com “Trovão Distante”) e do Leão dourado veneziano (com “O Invencível”), a quem ela admira, sem fazer de sua obra uma inspiração direta para o que filma. A francesa Claire Denis (“Com Amor e Fúria”) é uma de suas principais inspirações.

Falado em três línguas (o malaiala, o hindi e o marata), “Tudo O Que Imaginamos Como Luz” enche o peito das plateias de esperança sem incorrer nas caricaturas de feel good movie. Foi o primeiro longa-metragem de CEP indiano a concorrer à Palma de Ouro depois de um hiato de 30 anos. Nascida na região de Rourkela, há 67 anos, Mira Nair, colega e compatriota de Payal, agraciada com o Leão de Ouro de Veneza por “Um Casamento à Indiana”, 23 anos atrás, foi a realizadora daquela nação que chegou mais longe em reconhecimento internacional, driblando sexismos históricos. Payal, que conquistou (até agora) 24 troféus de prestígio com sua saga sobre companheirismo, pode ir além de Mira, sobretudo por estar na mira do Globo de Ouro. Nessa premiação, considerada uma prévia do Oscar, “Tudo Que…” disputa ainda na categoria de Melhor Filme De Língua Não Inglesa, encarando o já citado “Ainda Estou Aqui”, que vendeu 3 milhões de ingressos no Brasil. Desponta dia a dia como o maior adversário de Waltinho.

“Tudo Que Imaginamos Como Luz” ganhou o Grande Prêmio do Júri de Cannes – Crédito: Sideshow/ Janus Films

Fala-se muito de dois outros concorrentes. Um deles é o musical francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, recordista de indicações ao Globo, brigando em onze frentes. O outro é o thriller iraniano “A Semente do Fruto Sagrado”, de Mohammad Rasoulof. Dos três, é Payal quem mais tem arrebatado as associações de crítica dos EUA. Entrou até no pódio de Melhores de 2024 da revista “Cahiers du Cinéma”, considerada a Bíblia da cinefilia desde 1951, à força de sua excelência visual. Ficou em quinto lugar. Pode até vir a ser indicada a algum Oscar, mas não ao de Melhor Filme Internacional, uma vez que a Federação de Cinema da Índia (FFI), um organismo não governamental de produtores, distribuidores e proprietários de estúdios formado em 1951, preteriu “Tudo Que Imaginamos Como Luz” em prol de “Laapataa Ladies”, de Kiran Rao, como candidato oficial daquela pátria à estatueta de Hollywood. Segundo Ravi Kottarakara, o atual presidente do FFI, seu júri, ao avaliar o trabalho de Payal na tela, parecia “estar vendo um filme europeu que se passa na Índia e não um filme indiano”.
Ganhadora do troféu L’Oeil d’Or (a Palma de Documentários de Cannes) por “Uma Noite sem Saber Nada” (2021), Payal idealizou “Tudo Que Imaginamos Como Luz” como se fosse uma operação sinestésica. Na trama, a enfermeira Prabha (Kani Kusruti) recebe um presente inusitado do ex-marido. Nesta mesma época, a colega de quarto dela, Anu (Divya Prabha) começa a namorar e tenta encontrar um lugar onde o novo casal possa ter intimidade em paz. Nesse momento, uma viagem para o litoral vem bem a calhar à rotina delas, que se abre para uma terceira figura, a aposentada Parvaty (Chhaya Kadam).
A delicadeza de sua forma de narrar lhe assegura fãs dia após dia.