RODRIGO FONSECA

Depois de Almodóvar ter encantado Cannes com um curta-metragem (o faroeste “Extraña Forma de Vida”), outro mestre ibérico chega a Cannes com uma experiência narrativa em pílula: o português Pedro Costa, ganhador do Leopardo de Ouro de Locarno com “Vitalina Varela” (2019). Lá se vão 17 anos desde que ele concorreu à Palma de Ouro com “Juventude Em Marcha” (2006), filmado com habitantes do bairro das Fontainhas, entre as cidades de Lisboa e Amadora. Seu regresso se dá com o curta “As Filhas do Fogo”, parte de um projeto multimídia do qual ele já extraiu uma exposição no Centre Pompidou, em Paris. O que a Croisette vê hoje é um ensaio sobre três irmãs que se separam sob o efeito de uma catástrofe, simbólica dos males da Europa atual. Clotilde (Alice Costa), Adelaide (Elizabeth Pinard) e Irondina (Karina Gomes) alimentam seus laços de fratenidade à força do canto. Trata-se de uma experiência cinematográfica que repensa o Tempo a partir da errância feminina.

Cena do curta “As Filhas do Fogo”

Foi assim também com “Vitalina Varela”, sobre uma cabo-verdiana de passagem pela capital portuguesa em busca de seus mortos, após a perda de seu marido. O longa foi lançado no Brasil pela MUBI. “Estudando aquelas pessoas de Cabo Verde, que tanto me deram e tanto me dão, há tantos anos, tive a percepção de que existem mulheres sentinelas, à olhar para o mar, à espera, sem resposta”, disse Costa ao Laboratório Pop. Considerado um dos mais requintados estetas do nosso tempo no audiovisual, Costa ganhou notoriedade por longas-metragens como “Cavalo Dinheiro” (Melhor Direção em Locarno em 2014) e “No Quarto de Vanda”, laureado no festival Cinéma du Réel em 2001. Este era um dos filmes favoritos de Eduardo Coutinho (1933-2014), aclamado documentarista responsável por cults como “Edifício Master” (2002) e “Santo Forte” (1999). Em sua experiência de trabalho com Costa nos sets, Dona Vitalina dizia: “Se houver amor, as coisas vão dar certo!”. Ela cedeu muito de suas vivências à caracterização de sua personagem a caminho das Fontainhas, bairro onde o cineasta ambienta suas aclamadas tramas, oferecendo ao espectador uma missa estética de reflexão sobre a resiliência dos imigrantes d’África no Velho Mundo. “A urgência é má conselheira. Filmo como uma equipe muito reduzida, com quatro pessoas por trás das câmeras, para que meu elenco de não atores tenhas as melhores condições de criar. Não se deve ser urgente, no cinema, nem no documentário, formato que aspira a ter um contato mais terra a terra com a realidade”, disse o diretor em sua passagem pelo Rio, há três anos. Até o momento, já foram exibidos 12 dos 21 concorrentes à Palma de Ouro e o melhor acolhido foi “Fallen Leaves”, uma comédia romântica chapliniana do finlandês Aki Kaurismäki.

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