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“‘Qual é seu guarda, que papo careta’ era constrangedor”

Paralamas e mais na 2ª parte da entrevista com Philippe Seabra

por Mario Marques

(parte 2)

O rock acabou? Por que estamos reféns de uma usina de porcarias?
O rock nunca acaba mas que perdeu espaço na mídia, isso sim. Agora para deixar bem claro, não tenho problema com pop, só com pop ruim – que existe desde que o primeiro romano pegou uma lira para tocar e rimou “mouro” com “saia de couro”. Meu problema é quando vira a norma, sem nenhum contraponto sério para equilibrar e estancar a atrofia cultural.

Saudade de quando os DJs de rádio tinham autonomia, tocavam Arnaldo Antunes, Renato Russo… até Plebe tocavam. Mas nunca fui de ficar de braços cruzados, então no meio da pandemia eu criei um projeto que visava valorizar o rock de Brasília como Patrimônio Cultural, Histórico, Cívico e porque não, Turístico?

Como assim?
A ideia era relativamente simples. É que toda cidade grande no exterior para onde eu viajava, volta e meia esbarrava numa placa no meio da rua dizendo, “Aqui que Oscar Wilde frequentava” ou “foi aqui que George Orwell escreveu ‘Revolução dos Bichos” ou foi aqui que Gershwin nasceu. Porque não fazer o mesmo com o Rock de Brasília. já que essas bandas todas viraram tão emblemáticas nacionalmente?

Como fazer isso em Brasília, uma cidade “sem ruas”….
Eu tinha escolhido 40 pontos pela capital e R.A.’s (Regiões Administrativas, o que chamávamos de cidades satélites) para terem marcos, placas, totens… sei lá, mostrando o que aconteceu naqueles respectivos locais exatos e o projeto virou realidade, a Rota Brasília Capital do Rock.

Com minha curadoria e textos, placas em português, inglês e espanhol, com QR Codes linkando ao resto da rota via Google Earth com fotos antigas (um verdadeiro túnel do tempo) foram erguidas em locais tão emblemáticos como Food’s, Brasília Rádio Center, Cafofo, Adega, Gilbertinho, Teatro Galpãozinho, a quadra residencial do Renato, Cave no Guará, Rock na Ciclovia… Até uma placa demarcando o local exato na esquina onde o André me convidou para “montar uma banda” foi erguida.

Com poucas exceções, todos os pontos estão em detalhe no O Cara da Plebe porque passamos por todos, fazendo-os virarem os agora locais tidos como “históricos”. Inclusive alguns lugares que pelo visto só eu lembrava como o Bar Adrenalina e a Rampa Acústica do Parque da Cidade.

O link do Google Earth ainda vem com os textos estendidos, também de minha autoria, quase como uma extensão desse livro, quase como uma extensão do turismo cívico de Brasília. Mas pensando bem, toda rota leva a algum lugar, então foi aí que eu tive uma ideia meio maluca para um futuro Memorial Rock Brasil.

A ideia é ousada. É viável?
Depois de três anos de intensas negociações com o GDF (Governo do Distrito Federal) consegui um terreno para a construção do memorial com 7000 m2. O rock brasileiro faz 70 anos nesse ano de 2025 e quem sabe um memorial desse
porte pode ajudar a estancar a atrofia cultural no Brasil?

Há diferença entre fazer um show da Plebe quando moleque e hoje?
É um pouco difícil comparar. Mas toda a análise e autocrítica não seriam o suficiente para parar o que estava acontecendo em Brasília no começo da década de 80. Nem o momento político, a censura, a inexistência de mercado ou a falta de perspectiva. Muito menos polícia, capitão, traficante, playboy ou general. Nem a precariedade do equipamento. Nada nos parava.

E na falta de equipamento, nada nos impedia de ligar todos os instrumentos num amplificador só, se era só o que tivesse. É que realmente não tínhamos escolha. Olhando para trás, é risível constatar como tudo era ruim… Mas como o Renato escreveria anos mais tarde, como ter “saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi?”.

Som ruim e ainda tinha a polícia…
Aquela era a nossa realidade… Eu usava um estojo de bebidas do meu avô, onde colocava meus cabos e pedais nas presilhas para garrafas e copos. Tinha tudo pronto para quando a policia fosse aparecer nos shows furtivos nas lanchonetes. Parecíamos camelôs na rua 25 de Março (famosa pelo comércio “alternativo”, em São Paulo) temerosos pela chegada do rappa.

As pessoas romantizam esse época mas era tudo muito, muito tosco. Vai ver que foi isso que sedimentou a verve dessa “tchurma”. Afinal, se conseguíamos causar esse impacto com absolutamente nenhuma estrutura, imagina só o que conseguiríamos com um mínimo?

Qual é a sensação, hoje, de olhar para trás?
Agora temos disco de ouro, sucessos reconhecidos nacionalmente e toda a bagagem de ter percorrido o pais inteiro dezenas de vezes por milhares de quilômetros, é diferente. Mas o pós-punk continua vivo e desde a retomada da banda há 20 anos com a entrada do Clemente, estamos nos sentindo adolescentes de novo.

No livro, infelizmente, tenho que relatar o desgaste da formação original. Mas eu e o André conseguimos manter a banda mesmo depois de tanta história, uma confusão só… Eu quase chamei o livro de “E você pensou que tinha problemas”…

Quem é o cara ou a banda de rock do momento?
Sei lá… Para mim. o “cara” sempre será o Andy Partridge. do XTC. Me inspiro nele até hoje. Até mais que no meu mestre, o eterno Joe Strummer.

Legião ou Paralamas?
As duas bandas aparecem muito no meu livro. Legião por motivos óbvios mas também por um detalhe que ninguém soube até a publicação do “O Cara da Plebe”: o Renato tinha me convidado duas vezes para ser seu guitarrista. Mas aí, só lendo o livro.

Já os Paralamas… Imagine a cena: nós estávamos na Capital Federal apanhando da polícia e de playboy, mandando música pra censura… E o recém-nascido Paralamas lá no Rio, sendo referidos como parcialmente de Brasília – gravando e tocando no rádio. Não era justo. Virei para o André e para o Renato e disse: “Nós nunca vamos tocar no rádio”.

Eu, particularmente. não conseguia levar o disco de estreia dele muito a sério – apesar de que membros da “tchurma”, especialmente alguns do Capital, ficaram extasiados. Ainda assim, eu ficava feliz ao ver o Rock Brasileiro da década de 80 florescendo. Mas, ao meu ver, “Qual é seu guarda, que papo careta” era mais constrangedor do que transgressor. “Chinfra na minha lambreta?” Não podia ser sério… É isso que está tocando no rádio, sobre um motoqueiro? “A caravana do amor então pra lá também se encaminhou”… Jesus amado. “Caravana do Amor? Minha prima já está lá e é por isso que eu também vou”? Espera aí. Sua prima está onde? Fudeu, pensei. Estamos perdidos.

Houve treta com o Herbert?
O Herbert, bem no comecinho dos Paralamas, visitou a sala de ensaio que repartíamos com a Legião e a banda XXX (futuro Escola de Escândalo) mas ficou no canto agachado tocando guitarra sem conversar com ninguém, provavelmente intimidado com a “fama” dos punks de Brasília.

No dia seguinte, fomos ensaiar e liguei meu equipamento e pedais. Todos eram a pilha exceto o Flanger, com um grosso cabo de força preto já embutido de fábrica que eu ligava num transformador. Não ligou… Não demorei muito para deduzir que tinha sido aquele carioca sem vergonha que o ligou na parede diretamente, com o dobro da corrente de energia fritando meu pedal. Fiquei muito puto. Através de pessoas em comum mandei um recado que ele teria que me dar um pedal novo. E era um pedal caro. Mas o Herbert não dava notícias. Demoraria mais 16 anos para resolver essa história.

E dessa situação sairia a música “Minha Renda” que falava mal justamente dele. Mas ele levou na boa e depois de apadrinhar a Plebe, produziria 3 discos nossos. Os Paralamas quase são o fio condutor do “O Cara da Plebe” pois há um carinho e admiração mútua.

Existe cena em Brasília hoje?
Existe, sim, mas como falei anteriormente, o rock perdeu muito espaço na mídia. Eu faço o que posso, produzindo discos no meu estúdio particular e promovendo shows através da minha produtora Capital do Rock Produções com minha sócia, Tata Cavalcanti, carioca veterana do Circo Voador. Creio que o memorial Rock Brasil ajudará levantar a cena, e a pedra fundamental dessa monumental empreitada será ainda esse ano.

Já bateu depressão ou agonia diante de um mercado fonográfico absolutamente entregue a fórmulas de funk, sertanejo e afins?
Depressão, não. Mas, como pai, fico horrorizado com o nível da cultura massificada no Brasil. Sempre achei que o papel do artista era de dar voz para quem não tinha, de expor, de questionar e, o mais importante, de inspirar. Você se espantaria quantas vezes ouvi de muitos colegas de outras bandas ,”tem que cuidar do leite das crianças”, “fazer uma fezinha para o rádio”, “abaixar as guitarras”, “faça mais dançante” ou de “se reinventar”. Se ao menos o povo soubesse como as linguiças, as leis e o rock brasileiro são feitos…

O que você quer dizer, exatamente?
Não estou dizendo que só um tipo de artista tem o monopólio da contestação. Mas é pedir demais um pouco de coerência da própria geração? Ah, mas piora: com a internet, alguns artistas de rock encontraram um sopro nas carreiras virando blogueiros ou se auto-intitulando “formadores de opinião”, já que a música não lhes projeta tanto. Como cantamos em “Minha Renda”, “a música não importa, o importante é a renda”. E se manter na mídia de qualquer maneira é a meta suprema – ou quem sabe virar um “influencer” – talvez a “renda” de hoje.

O que você acha disso?
Pelo visto, a música realmente não importava mais mesmo. Muitos desses artistas questionam porque a mídia não os levam tão a sério quanto gostariam… Não lhe dão o status de “formadores de opinião”, de “influenciadores”… Mas tem motivo.

Depois de anos contribuindo absolutamente nada, ou muito pouco, para a discussão política e social no país através da sua arte, não é agora, expondo rancor e ódio atrás da tela do computador, que isso vai acontecer.

Qual a pior coisa que você já ouviu na vida?
Ono Plastic Band e o disco , do Yes.