O cineasta romeno Radu Jude – aqui fotografado por Jens Koch – foi laureado na Berlinale, em 2021, pela comédia “Má Sorte No Sexo Ou Pornô Acidental”

Rodrigo Fonseca
Mais uma Berlinale decorre na capital alemã e, até agora, a direção artística do evento não se coça para reunir os retratos que o fotógrafo germânico Jens Koch faz das celebridades em luta pelo Urso de Ouro e do júri oficial, como se vê na imagem acima, do realizador romeno Radu Jude. Ele integra a seleção de artistas que vão julgar os concorrentes aos troféus deste ano, sob a presidência da atriz americana Kristen Stewart (de “Personal Shopper”, “Spencer”). Ao lado dela e de Jude estão as diretoras Valeska Grisebach (alemã) e Carla Simón (catalã); a produtora de elenco, atriz e produtora Francine Maisler, também dos EUA; a superestrela iraniana Golshifteh Farahani; e o diretor Johnnie To (Hong Kong). Foi no Festival de Berlim de 2021 que o satirista mais mordaz do cinema da Romênia viu seu prestígio disparar ao receber o troféu mais disputado do evento pela comédia “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”. No Brasil, essa delícia de filme arrumou uma casa nova pra si, para destilar toda a sua ironia, celebrando a força de seu país nas telas: seu novo CEP é o streaming Reserva Imovision. Traduzido como “Bad Luck Banging or Loony Porn” pelo mundo afora, “Babardeala Cu Bucluc Sau Porno Balamuc” é um projeto idealizado e dirigido por Jude em resposta à histeria de vídeos (e de lives) da pandemia. É da Romênia que tem brotado a mais sólida expressão de narrativas ficcionais realistas deste século, chamada de Primavera Romena e inaugurada há 17 anos, quando “A Morte do Senhor Lazarescu” (2005), de Cristi Puiu, lançou uma nova modalidade de realismo social, na qual investigações quase sempre debochadas (muitas delas de ritmo tenso) mostram as falências institucionais. Desde então, joias egressas dos arredores de Bucareste, como “Lua Azul” (ganhador da Concha de Ouro de 2021), de Alina Grigore, tornaram-se eventos audiovisuais. São os frutos dessa estética primaveril. E alguns deles estão no https://www.reservaimovision.com.br/, como “Instinto Materno”, de Cãlin Peter Netzer, ganhador do Urso de Ouro de 2013. “A gente tem prestígio, mas não necessariamente tem dinheiro. Temos um sistema de apoio, na forma de um fundo nacional, mas trabalhamos muito com coprodução. É o que nos salva”, disse Jude ao Laboratório Pop em recente entrevista no Festival de Locarno, na Suíça, onde lançou um divertido curta sobre caricaturas. “Há 20 anos, seria impossível fazer um filme como ‘Pornô Acidental…’, por não haver fomento. Há dez anos, as coisas melhoraram, mas, hoje, por uma série de mudanças políticas, o cenário de produção piora de novo. Este meu filme custou cerca de 1 milhão de euros, na teoria… no papel. Mas na prática, a gente se virou com o que tinha. Fizemos por menos, na solidariedade, no desejo.”

Trama da Romênia combate a cultura do cancelamento nos escombros sociais da pandemia

Falando de cultura do cancelamento numa combinação de expressões visuais (vinheta, esquete, clipe, documentário) no longa que ganhou o troféu mais cobiçado de Belim, Jude filma fiel ao procedimento básico da Primavera. Este supõe usar uma estética desdramatizada (poucas ações), em locações reais, filmadas com um olhar próximo do documentário, onde as tramas são sempre mote para que se aborde a decadência política (e moral) daquela nação a partir dos escombros sociais deixados como herança pelo Comunismo. E isso sempre é arejado por um humor dos mais ácidos. Desse projeto estético nasceram filmes de culto como “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, vencedor da Palma de Ouro em 2007; “California Dreamin'”, de Cristian Nemescu; “O Tesouro” (2015), de Corneliu Porumboiu; “Ana, Mon Amou” (2017), de Cãlin Peter Netzer; e “Sieranevada”, do já citado Puiu. O filme de Jude é mais um (grande) exemplar desse cinema que exuma as cicatrizes nacionais para ficar para a posteridade no planisfério da imagem.
“Existe uma cultura formalista no audiovisual que acredita cegamente em fórmulas de roteiro como sendo a única estrutura dramatúrgica possível. Eu filme guiado pela liberdade e não por um script que me castre e me aferre a palavras, ainda que elas sejam muito bem vindas, não apenas pelo que significam, mas pelo que podem simbolizar graficamente”, disse Jude em sua vitória em Berlim, ao conquistar o Urso dourado, há dois anos.
Existe um parentesco que Jude estabelece com as prosopopeias animadas da Warner Bros., tipo “Looney Tunes” ou “Animaniacs”. Há momentos em que só falta o Patolino aparecer, com uma bigorna Acme na cabeça, no meio de uma Romênia que é devassada, de alto a baixo, em sua hipocrisia. Num meio termo entre uma coletânea de sketches e um espetáculo de comédia stand-up, o longa é dividido em três atos e uma sucessão de epílogos, sempre conectado com a percepção de que o Estado corrompido daquele país é um manancial de absurdos. E rimos de nervoso com a semelhança entre a corrupção deles e a nossa.

Gargalha-se de nervoso mesmo quando a câmara está apenas a observar o vaivém das ruas, seguindo a sua protagonista, a professora Emi (Katia Pascariu). Ao segui-la, o realizador de “Aferim!” (2015) já incorpora as máscaras de proteção ao coronavírus entre as suas personagens, datando propositadamente a sua narrativa ao surto pandémico do presente. A partir da histeria que se vive hoje, entre confinamentos, a comédia de Jude acompanha, em três segmentos formalmente diferentes entre si, a história do ataque a Emi depois que uma gravação dela (transando com o marido) é espalhada pela internet. Essa perseguição revela que há algo de medieval em todos os lados que apostam na bipolarização de ideias nestes tempos de ódio generalizado.
Vai ter Berlinale até o dia 26 de fevereiro. Até o momento ainda não há apostas acerca de um potencial favorito. O longa de Sean Penn sobre a Ucrânia, o documentário “Superpower”, teve uma recepção beeeem azeda por parte da crítica. Espera-se que a passagem de “Ingeborg Bachmann – Journey Into the Desert”, de Margarethe von Trotta, neste fim de semana, mude esse qudro. Aos 80 anos, a diretora de diretora de “Hannah Arendt – Ideias Que Chocaram o Mundo” (2012) segue fiel a seu cinema biográfico e escala Vicky Krieps para interpretar a escritora e poeta austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973, autora de “O Tempo Adiado”. Seu lema: “A verdade é razoável para o homem”.