Stallone em cena de “Rambo 5”: Cannes à vista
Rodrigo Fonseca
Às 22h desta sexta-feira tem “Creed: Nascido para lutar” na HBO Plus, como um esquenta para o segundo longa-metragem da franquia, a ser lançado no Brasil no dia 24 de janeiro, após ter faturado US$ 138 milhões pelo mundo afora. Em paralelo à estreia dessa elogiada produção de US$ 50 milhões no exterior, Stallone rodou o quinto filme da franquia “Rambo”, que, estima-se, possa ser lançado em maio, em Cannes, onde os primeiros cartazes do projeto foram divulgados. Mas o legado do ator anda em alta.
Num misto de genealogia da moral cinéfila com reflexão antropológica, um par de documentários relacionados à figura do pugilista Rocky Balboa revivem um trecho pouco analisado do cinema americano dos anos 1970 – tempo da chamada Nova Hollywood ou Easy Rider Generation – no qual valores e virtudes da era clássica dos EUA nas telas voltam à tona, contrariando o turbilhão contracultural, quase sempre de esquerda, do início daquela década. Ambos dirigidos por Derek Wayne Johnson, os dois filmes em questão são The King of Underdogs e 40th Years of Rocky – The Birth of a Classic. O segundo explica-se pelo título: bastidores do sucesso de 1976, que deu aos contos de fada uma dimensão social, numa espécie de Cinderela de luvas de boxe. Já o primeiro é uma investigação sobre a trajetória de sucessos de John G. Avildsen, o diretor (morto em 2017) que transformou Sylvester Stallone em astro e que faria ainda a franquia Karate Kid, outro marco da cultura pop.

Mas os dois docs existem como celebração de uma efeméride: as quatro décadas de culto a Balboa. Hoje mítica, a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia virou História a partir do dia 21 de novembro de 1976, data da primeira exibição pública de Rocky, o Lutador, que comemorou em 2016 seu 40º aniversário, num momento no qual o heroísmo marxista representado pelo filme – a volta por cima na luta de classes, com uma redenção do proletariado – parece ter desaparecido das discussões cinéfilas. Quando vendeu seu roteiro (escrito em três dias e meio, como ressaca pós uma luta de Muhammad Ali) para a United Artists, sonhando protagonizá-lo, Stallone ouviu nomes mais famosos do que ele serem citados como potenciais escolhas para interpretar o Garanhão Italiano. Os mais cotados eram Robert Redford, Ryan O’Neal, Burt Reynolds e James Caan. Mas Stallone bateu o pé: só venderia o script se o papel central fosse seu. E Irwin Winkler e Robert Chartoff bancaram a escolha, levantando o filme com orçamento de US$ 1 milhão. Pensaram em Carrie Snodgress e Susan Sarandon para viverem Adrian, mas quem levou a personagem foi Talia Rose Coppola Shire, maninha de Francis Ford. Para o lugar de Apollo, o Doutrinador, pensou-se no boxeador Ken Norton, mas quem ganhou o short com as cores e listas da bandeira dos EUA foi Carl Weathers.

Dia 21/11/1976 foi a première em Nova York e no dia 3 de dezembro aconteceu a estreia em circuito expandido nos EUA do longa-metragem, que faturou US$ 225 milhões nas bilheterias, rendeu seis continuações (sendo Creed, de 2015, a mais elogiada), inspirou um musical à Broadway e rendeu uma mítica sem precedentes.  E houve também, em torno de Rocky, casos de geopolíticas, como se pode conferir no livro É Fundamental o Cinema na Vida da Gente, organizado pela designer Hannah 23, apresentado como dissertação no Brasil, no Instituto Europeu de Design, no Rio de Janeiro, com depoimentos sobre filmes que salvaram vidas. Está lá a saga do pugilista de beira de esquina se transformava em ídolo nacional ao desafiar o campeão mundial. Fala-se muito da franquia Balboa também em The Ultimate Stallone Reader – Sylvester Stallone as Star, Icon, Auteur, organizado pelo professor Chris Holmlund, da Universidade do Tennessee, com o apoio de um corpo docente de teóricos das maiores faculdades dos EUA.

O livro traz Rocky na capa, também numa forma de celebrar seus 40 anos e entender sua mítica ao longo das décadas, de 1976 pra cá.   Obrigatório como reflexão sobre a evolução comportamental dos gêneros, a partir do audiovisual, o livro, publicado pela Wallflower Press, começa com um mapeamento dos bilhões que Stallone rendeu para os estúdios americanos, seja em fenômenos como a franquia Rocky quanto em produções de menor rentabilidade (mas marcadas pela adoração popular) como Falcão, o Campeão dos Campeões (Over The Top, de 1987). Orçado em US$ 35 milhões, Creed arrecadou US$ 172 milhões na venda de ingressos. Na comparação com os demais astros de ação, Holmlund mostra que, diferentemente de Schwarzenegger ou Bruce Willis, que apenas atuam, Sly sobressaiu-se em outros terrenos, produzindo, escrevendo e dirigindo. Os professores apontam o fato de que foram raríssimos os atores, em toda a História do Cinema, que conseguiram emplacar DOIS personagens icônicos e míticos, como Stallone conseguiu com Balboa e Rambo.  Quando recebeu o Globo de Ouro de melhor coadjuvante por Creed, ele chamou Rocky de seu “amigo imaginário”, referindo-se a ele como “o melhor amigo que alguém poderia ter”. De uma certa forma, Rocky virou o amigo imaginário de todos nós. Longa vida a essa amizade.