Cinema

‘Sai de Baixo’, Portugal, que Caco Antibes está chegando

Por Laboratório Pop


Rodrigo Fonseca
Marco de humor no Brasil, “Sai de Baixo” invade as telas portuguesas, no circuito de Lisboa e seu arredores, após uma passagem pelos cinemas nacionais na forma de longa-metragem, com o canguru perneta arriscando novos saltos. Cheio de viço em duas frentes técnicas, a direção de arte (de Mário Monteiro) e os figurinos (de Sônia Soares), o longa-metragem está também no Telecine Now!, na TV a cabo nacional. Ele combina despretensão e competência artesanal num experimento de “cinevisão” (é um longa-metragem decalcado de um humorístico da Globo) com um potencial de graça de assaltar o fôlego de quem se entregar, sem culpa, à diversão. Há algo mais na transposição do programa dominical (hoje reprisado nas tardes de sábado) que, de 1996 a 2002, recauchutou a fórmula de comédias sobre famílias encenadas em palcos, em uma estrutura de show de riso. Essa algo mais vem de uma marca (com traços autorais) de uma campeã de bilheteria, a cineasta Cris D’Amato (de “SOS – Mulheres ao mar”), ainda não reconhecida pela crítica (e pela própria indústria) com o respeito merecido pelas proficiências estéticas que tem na construção de uma poética particular. Estamos diante de uma diretora que construiu uma obra sintonizada com o pleito do empoderamento feminino, sempre com heroínas que fogem das amarras do sexismo. É o caso da transformação que Cris promove na figura de Magda, o Mobral humano vivido por uma Marisa Orth no ápice do carisma, que não aceita mais o “Cala a boca!” que virou o bordão de seu marido, Caco Antibes, personagem que foi objeto de adoração na televisão e que, graças à inteligência cênica de Falabella, reafirma-se na telona, como uma mistura de David Niven com Zé Trindade.
É de Falabella (autor do roteiro, com a colaboração do olhar humanista de Sylvio Gonçalves) que vem o segundo toque de personalidade de “Sai de Baixo”: o espírito de chanchada. Uma chanchada com um padrão anos 1950, à la Lulu de Barros (“O negócio foi assim”) e Victor Lima (“Massagista de madame”), com que os quiprocós da trama se sucedem. É uma linha narrativa que cresce em harmonia com a energia de levante feminino que Cris injeta em seus planos, também na figura da matriarca do Arouche, Cassandra (Aracy Balabanian, motor das tiradas autorreferenciais do longa), e da tia Jaula (papel que Tom Cavalcante constrói com picardia).

Produzido por Daniel Filho, o enredo é Oscarito na veia: saído da prisão, Caco aceita levar uma mala de joias em uma excursão da agência Vavátur até Foz do Iguaçu e Magda também, o que gera uma confusão entre as valises. Enquanto isso, o criminoso Banqueta (Lúcio Mauro Filho, com ares de José Lewgoy em sua vilania marota) tem conta a acertar com Caco nessa viagem, assim como sua irmã gêmea, Angelita. Na tela, a jornada é um mero gancho pruma sucessão de gags.
Como toda boa chanchada, o longa traz uma tônica de crônica de costumes, focada na falência da classe média, no apego a uma tradição que depende de dinheiro para ficar de pé. Entre um oceano de piadas, bem editadas, na montagem de Tainá Diniz e Eduardo Hartung, temos um estudo sociológico sobre a inversão da pirâmide econômica brasileira, com a emergência dos grupos antes tratados como invisíveis e que, agora, com o consumo, ganham subjetividade no discurso da representação da arte. É o caso de Ribamar (o segundo papel de Cavalcante), porteiro que, ao ganhar um apartamento próprio, passa a hospedar seus patrões do passado.

Candidato a sucesso de bilheteria, “Sai de baixo” passa indolor pelas retinas, mas bate, com discrição, em mazelas morais do país. Ele ainda depura a química entre seus intérpretes, com uma apoteose para Falabella, que em suas polivalentes atividades, por vezes, concentra no teatro um talento como ator que oxigena o cinema nacional, hoje afogado no naturalismo.

p.s.: Rola por aí um papo de que “Veneza”, o novo filme de Falabella como diretor, com a espanhola Carmen Maura no papel central, vá estar no Festival de Gramado (16 a 24 de agosto), na Serra Gaúcha.