Thriller de horror à moda australiana cai como um colírio nas retinas de Berlim

RODRIGO FONSECA
Quem se deixou fisgar pela promessa de arrepios, na capital alemã, na noite de segunda, sob uma gotejante e gélida garoa, ganhou um presentão da Berlinale, que, atenta ao novíssimo cinema australiano, importou de lá um terror nota 10 (com louvor): “Talk To Me”. A direção é dos YouTubers Danny e Michael Philippou, que não se avexam com jump scares, a técnica histórica (hoje envolta em mimimi) de fazer a plateia saltar das cadeiras ao topar com o Demo – ou com assassinos armados. O elemento que causa medo aqui é uma estatueta em forma de mão, supostamente produzida a partir de um punho embalsamado. Quem a aperta e diz “Fala comigo” abre um portal para espíritos, quase sempre maus. O erro da jovem Mia (vivida pela ótima Sophie Wilde) é fazer esse ritual sem ter feito as pazes com seu inconsciente acerca da morte misteriosa de sua mãe. O que vai sair das incursões dela ao Além é tenebroso, e clama por sangue. Trata-se de uma eletrizante narrativa. Só a imagem de um canguru atropelado já é de dar engulhos. Mas o clima de desespero cresce, com direito a cabeças destroçadas, num roteiro engenhoso, capaz de unir sobrenatural com Freud.

Mia Goth, a estrela de “Pearl”, protagoniza o esperado “Infinity Pool”

Esta noite, Berlim vai tremer à força do body horror de Brandon Cronenberg, iluminado pela atual diva do assombro, Mia Goth, em cartaz no Brasil com o fascinante “Pearl”. Neta de Maria Gladys, a atriz e modelo inglesa empresta seu talento a “Infinity Pool”, novo longa do filho de David Cronenberg (que esta sendo homenageado aqui com uma projeção de “Naked Lunch” (por nós traduzido como “Mistérios e Paixões” na Berlinale Classics. No thriller horrorífico de Brandon, um casal tem a vida virada do avesso após o acidente. A vida e certas partes do corpo. E da mente.
Vai ter Berlinale até o dia 26 de fevereiro, sendo que, na véspera, o júri presidido por Kristen Stewart (de “A Saga Crepúsculo”) revela o ganhador do Urso de Ouro e os demais vencedores. Não existe ainda um favorito ao troféu dourado, mas há um queridinho do festival, que tem tudo pra sair daqui com o Urso de Prata de Melhor Roteiro ou o de Direção: “Past Lives”, já exibido antes em Sundance. Embora não seja tão palavroso quanto a estética de Richard Linklater, o filme tem um gostinho de “Antes do Amanhecer” (1995) tão lírico quanto a love story com Julie Delpy e Ethan Hawke – e quase tão romântico quanto.

“Past Lives” virou o filme queridinho da disputa pelo Urso de Ouro

Celine Song, dramaturga de prestígio off-Broadway (vide o êxito de “Endlings”) e realizadora estreante, brilha no concurso oficial com uma narrativa caramelizada, com um pé na Coreia do Sul e um outro nos EUA, repleta de elementos biográficos da cineasta. Em cena, dois amigos de infância chegados à brincadeira de pera, maçã e salada mista na Ásia, quando crianças, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), têm um reencontro em Nova York, embora ela esteja casada, e com um americano. Esse papel ela confia ao habitualmente insosso John Magaro (de “First Cow”), que não atrapalha Celine aqui.
Fala-se sem parar na Alemanha do longa brasileiro “Propriedade”, de Daniel Bandeira, que está em destaque pleno na mostra paralela Panorama, uma das mais disputadas da Berlinale. Trata-se de um thriller à moda “Bacurau”, mesclando suspense, reforma agrária, Josué de Castro e John Carpenter. Malu Galli é uma designer de moda que fica presa num carro blindado em meio a um motim de trabalhadores de sua fazenda. Adrenalina corre solta. Sociologia, também. O prêmio germânico de júri popular pode ser dele.