RODRIGO FONSECA
É noite de “Guerra Infinita” na TV, com a chegada do Homem de Ferro, Visão & Cia. ao Telecine, às 22h deste sabadão, em meio ao debate acerca da escolha do supergrupo para apresentar a festa do Oscar, em fevereiro. Isso se Thanos deixar. O filme dos irmãos Joe e Anthony Russo somou cerca de US$ 2 bilhões nas bilheterias. Foi o fenômeno popular de 2018. E a parte dois chega em três meses com fome de sucesso.
Fervido a litros de adrenalina, aquecida em sequências de ação, perseguição e fuga afoitas por roubar o fôlego alheio, “Vingadores – Guerra Infinita” dá espaço a um diálogo memorável. Uma fala na qual Thanos encara o Homem de Ferro e chama o terráqueo pelo nome, “Tony Stark”, sendo interpelado por Robert Downey Jr. (sempre ótimo em cena) com uma expressão interrogativa, num “de onde você me conhece?” assustador para ele e para a plateia. Construído por Josh Brolin com tônus trágico, num esquema de motion capture (técnica na qual os movimentos de um ator são registrados num software que redefine estes gestos a partir de efeitos digitais que descaracterizam seu visual), Thanos vira para o herói e diz: “Você não é o único que foi amaldiçoado com o conhecimento”.
Thanos sabe muito, pois há eras ele estuda o que de pior as civilizações têm: a vaidade. É dela que vem a decadência. E o papel que atribuiu a si mesmo no Universo é varrer da História povos decadentes. Muita gente… Nos quadrinhos de Jim Starlin, Thanos fazia isso por amor: ele se apaixonou pela Morte em pessoa, de osso, foice e capuz. Matava para poder cortejar sua amante. No longa-metragem em duas partes dirigido pelos irmãos Joe e Anthony Russo, a Indesejada das Gentes não é citada: Thanos destrói planetas por ideologia. Ele é a encarnação – talvez a mais sombria tradução da vilania que o cinema de tintas fantásticas elaborou desde Darth Vader – do fundamentalismo – inimigo número um do mundo quando o assunto é terror… terror real. Thanos é a metáfora da América de Trump: remover o que incomoda, sem pesar as consequências. Thanos, no Brasil, foi dublado com fúria e genialidade por Leonardo José.
Ao assumir como personagem central (confiado a um ator em estado de graça como Brolin) a figura de um terrorista que não faz exigências, a Marvel deixa claro sua reta de maturidade em busca de trama menos calcadas em onomatopeias (Soc! Pow! Pum!) e mais interessadas em verticalizar conflitos existenciais e políticos. Seu reinado no cinema começou, silencioso, há 21 anos, quando Wesley Snipes juntou tostões para filmar “Blade – O Caçador de Vampiros”, de 1998. Ali pavimentou-se o caminho para a fauna de mascarados de Stan Lee ganhar corpo e alma no cinema. Mas, desde o seminal “Logan” (2017), a Casa das Ideias (apelido da Marvel) abriu a deixa para discutir temas mais cortantes do que o maniqueísmo. “Pantera Negra”, com sua veia racial festiva, foi o ápice da transformação do estúdio na trilha do amadurecimento. E o novo “Os Vingadores”, feérico, foi pelo mesmo caminho, tendo em Chris Hemsworth – mais inspirado do que nunca no papel de Thor – o herói de maior vigor nesta narrativa dominada por um vilão.
Nem todos os efeitos especiais do filme têm o acabamento necessário e, passados 55 minutos, quando os heróis começam a se dividir em grupos, a edição sofre uma ralentada, o que dilui o ritmo, exigindo do roteiro uma aposta em piadas que funcionam melhor com os Guardiões da Galáxia (sobretudo com Chris Pratt, o Senhor das Estrelas) do que com os Vingadores. O herói que mais perde aqui é o Homem-Aranha, pois Tom Holland, seu talentoso intérprete, parece não encontrar aqui a mesma alquimia entre carisma e tônus dramático de suas aparições em outros filmes. Mas nada disso tira de “Guerra Infinita” seu viço como épico sobre o fervor.